De golpe em golpe, e o país que se dane!

Se Celso de M… pode comparar o Brasil atual à Alemanha dominada pelos nazistas nos anos 1930, posso perguntar que diferença existe entre o nosso país e as repúblicas bananeiras caribenhas, centro e sul-americanas, que fazem o sucesso dos escritores do nosso continente? Existe diferença? Talvez o que nos distingue seja o fato de que as quarteladas não são tão comuns por aqui. Mas os golpes e tentativas se sucedem com igual velocidade.

Mal a democracia brasileira foi reinstalada, após esboroar-se por si mesma a ditadura militar, lépidos tratamos de derrubar o primeiro presidente legitimamente escolhido em eleição direta. OK, o cara era inacreditável! Mas em seguida todos os outros sofreram ameaças ou tentativas de impeachment. Os mesmos que se unem para derrubar um, logo estão em fronts opostos, tentando pôr pra fora o beneficiário do golpe. “Governo bom é só o meu”, parecem dizer. São mais de 30 anos de inconformismo com o voto popular.

Enquanto o Brasil viver entre disputas eleitorais que, anunciados os resultados, se transformam em campanhas pela derrubada do eleito, dificilmente sairemos do atraso político e institucional em que nos afundamos mais e mais. É uma tristeza! Alegam os eternos golpistas que assim agem para corrigir o voto errado dos eleitores, que não sabem escolher a melhor opção disponível e colocam gente errada no poder. Conversa mole! Desculpa de quem só quer usar a democracia para chegar lá e nunca mais largar o osso.

O pessoal do PSDB previa, com a eleição de FHC, uns vinte anos dos tucanos no comando do país. Conseguiu oito anos, por causa da reeleição obtida no conchavo com parlamentares do chamado baixo clero. Zé Dirceu, que quis apear um ex-aliado do cargo ainda no primeiro mandato, pensava maior para o seu PT: 30 anos no poder. Quase conseguiu, com injeções de mensalão e petrolão. Pena! O sonho acabou no tsunami Dilma, que levou partido e país para o ralo!

No caso do lulopetismo, em suas eleições e reeleições, o golpe foi aplicado no eleitor, que só comprou gato por lebre. O Lulinha paz e amor, tal como foi travestido pelo marqueteiro do malufismo, logo se transformou no presidente que comandou o maior saque da história do Brasil, desde que os portugueses entregaram o ouro das Gerais para os ingleses. Dilma, por sua vez, ganhou duas eleições em campanhas sórdidas, movidas a fake news, à altura dos adversários Serra e Aécio. Na última, prometeu uma coisa e fez o oposto, exatamente aquilo que, segundo esbravejava na tv, os adversários fariam se eleitos.

Foi derrubada antes da metade do prazo de validade, e virou inimiga do próprio vice, que assumiu conforme manda a Constituição. Como teve os direitos políticos mantidos pelo companheiro Lewandowski, indicado ao STF pela falecida mulher do antecessor, engrossou o clamor pela redução da permanência de Temer na cadeira presidencial. Vestiu direitinho o figurino golpista, costurado sob medida para seus companheiros da esquerda.

Se entre si aplicam rasteiras, como esperar outro comportamento diante de um estranho no ninho. Bem ou mal, Bolsonaro rompeu com a alternância do PSDB e do PT no governo federal, o que é inaceitável para ambos. Anunciados os votos de outubro de 2018, já se falava em impedir a posse. Quando esta se tornou inevitável, começou a campanha de desgaste, preparatória da armação de futuros pedidos de impeachment.

O movimento em curso parece caminhar para o êxito, tanto mais que dela participam a grande mídia e o Supremo Tribunal Federal, em cumplicidade com os corruptos que têm o rabo preso até o último fio do pelo sujo. A malandragem conta também com o desonesto uso da pandemia para fragilizar o governo. E é assim, vergastando a cada ciclo as instituições democráticas, que os calhordas dizem querer ensinar o povo a votar. Pobre Brasil!

Não é o eleitor que precisa aprender a votar. São os políticos, as autoridades e as instituições que devem seguir as regras. Sem roubar no jogo!

Celso de M… defende Weintraub

Outro dia, o honorável decano do STF, o tal juiz de merda da história (alô, alô, PCC, sem retaliação, não sou eu quem fala, faço apenas uma citação) disse com as tortuosas palavras dele que o governo está instaurando o nazismo no Brasil. Ficou por isso mesmo! Ele atacou de maneira grave outro poder da República e nada aconteceu. Segue, inclusive, à frente de inquéritos contra um presidente a quem demonstra tanto apreço. Mostra que Saulo Ramos está coberto de razão.

Embora não corra qualquer risco, dadas as imunidades de que goza e graças ao corporativismo de seus iguais do STF, o merda, digo, o ministro do Supremo alegou que falava como um cidadão qualquer, não como magistrado. Daí não se sentir impedido de conduzir processos contra o presidente e o governo, da mesma forma como ninguém deve considerar as palavras dele, o juiz de merda conforme elogiado em livro, um ataque indevido do judiciário ao Executivo.

Se está criada uma jurisprudência nessa posição do Celso de … Mello, o ex-ministro Weintraub dispõe de uma defesa imbatível no processo que a corte move contra ele. Basta dizer, singelamente, que pediu a prisão dos vagabundos como pessoa física, não como integrante do governo Bolsonaro. Exerceu apenas o direito de qualquer cidadão de dizer o que pensa. O cidadão não cometeu crime, e o ministro não caluniou nem ofendeu instituição alguma.

Embora sua palavra valha tanto quanto a do M… ello. Nada!

“Deixa comigo!” Era Edu falando por Ele

No México, em 1959: já não se discutia qual era o melhor do mundo

Naquele tempo… o Cara nada disse aos seguidores. Nem havia o que dizer, porque o debate não existia entre o pessoal da Rua XV, os apreciadores do chope do Nicanor, e muito menos entre o povão da beira do cais, da orla das praias, do Gonzaga e da Vila Belmiro. O Santos era o melhor time do mundo e ponto. Sem contestação! Sem dúvida!

O que Ele deixava rolar eram pequenas discussões (hoje chamadas resenhas, para mim de forma equivocada) que torcedor adora esquentar diante de uma cerveja gelada, de um bolinho de batatalhau e, agora, da tela do computador. Era o que acontecia e o Criador do Time dos Sonhos apenas sorria. “Centroavantes? Vejam o que reservei pra vocês!”

Para ficar só quando a metade da história apenas começava, e não recuar a Arnaldo, Araken e Feitiço, o Santos bicampeão paulista em 1955 e 1956 tinha uma dos mais técnicos e ferozes centroavantes brasileiros: Emmanuelle Del Vecchio, que substituiu Odair Titica na função de fazer gols. Mas em 1955, quando foi artilheiro do campeonato paulista e chegou à seleção brasileira, o italiano já tinha a concorrência de um atacante franzino, formado na Burrinha.

Pagão foi entrando aos poucos no time, muitas vezes ao lado do próprio Del Vecchio, e ganhou a camisa 9 quando o titular passou a substituir o meia Vasconcellos, que teve a perna quebrada num lance com o zagueiro são-paulino Mauro, na Vila Belmiro. Em setembro de 1957, Del Vecchio foi vendido para o Verona da Itália, e a camisa 10 começou a ser assumida pelo menino Pelé, que aos 16 anos já jogava na seleção, e nem era titular do Peixe.

Com tudo isso, saía de cena uma fantástica dupla avançada – Del Vecchio e Vasconcellos –, para a entrada de Pagão e Pelé, que formariam com Pepe o espetacular trio PPP. A partir daí, a sucessão de grandes centroavantes no comando do ataque santista é avassaladora. A década nem termina e já surge Coutinho, outro fenômeno precoce, que estreia com 14 anos.

Um ataque de 1955: Alfredinho, Jair, Pagão, Vasconcellos e Pepe

Essa estirpe de artilheiros (em seguida enriquecida pela chegada de Toninho Guerreiro) só encontra paralelo no que aconteceu na ponta-esquerda do Peixe, a partir do momento em que Pepe se impôs e levou o técnico Lula a deslocar o versátil Tite para o lado direito ou para a armação do time. O Canhão da Vila reinou soberano no ataque santista até a metade da década seguinte, a das grandes conquistas dos anos 1960. Aí, um atrás do outro, chegaram às praias do paraíso os endiabrados Abel e Edu.

A estreia do magrela que veio do América do Rio foi de tirar o fôlego dos mais incrédulos frequentadores das arquibancadas da Vila, tanto quanto dos eternos insatisfeitos das sociais. Eu estava lá e pensei, com outras palavras: “Caramba! Como o Peixe foi encontrar esse diabinho? Só pode ser coisa do Cara lá de cima! Mas, agora, Ele vai demorar para trazer outra novidade como essa.”

Pois não se passou um ano e, numa noite no Pacaembu, diante do Bangu, veio fazer rima o Edu, poeta de Jaú. Sem a menor cerimônia, o moleque de 14 anos tirou a bola das mãos do Rei, na cobrança de uma falta: “Deixa comigo”, ele disse ao atônito Pelé, indeciso entre dar risada ou xingar. Foi o primeiro dos 183 gols que Edu marcou pelo Santos.

(Que me desculpe o pessoal da Assophis pelos enganos factuais que cometo ao contar minhas histórias confiando só na memória. É certo que, de vez em quando, se as dúvidas são maiores do que as frágeis certezas, recorro à bíblia do Odir Cunha, também conhecida como Time dos sonhos. Então, não erro.)

O nome é safadeza e o sobrenome, desonestidade

Mantenho uma curiosidade que nada tem de mórbida ou sádica. Quais são os números da covid-19 nos presídios, nas favelas brasileiras e na cracolândia paulistana? Se é verdade que as aglomerações humanas são fortes condutoras na transmissão do vírus, o que faz sentido, a situação nesses lugares deve ser muito pior do que nas cidades em que a realidade parece mais grave.

No entanto, as informações sobre essas populações são escassas. Acredito não ser difícil levantar esses dados regularmente. A apuração não exige grande empenho e tem a vantagem de dispensar o uso de aparatos cenográficos por repórteres e entrevistados, sem perigo de contaminação. Basta um contato telefônico banal com as fontes da área, como o jornalismo faz há décadas.

Ao que sei, a chamada grande mídia pouco se ocupa do assunto, a não ser para produzir relatos e cenas impressionistas, sem qualquer sustentação numérica. Parte da população encarcerada foi liberada pela justiça, sob a alegação de integrar grupos de maior risco. Não se sabe, porém, qual o tamanho do impacto da doença dentro das prisões, embora sejam frequentes as notícias de que criminosos liberados voltam a delinquir.

A cracolândia e os pontos de atendimento às populações de rua em São Paulo são outro mistério. De vez em quando, a televisão mostra a movimentação por lá, mas sem informar se são altos o contágio e a mortalidade. Na falta de jornalismo; sobram opiniões e comentários sem conteúdo. Nas chamadas “comunidades”, a desinformação é igual. Mostram-se, com as cores do sensacionalismo vulgar, as condições precárias de moradia das pessoas, desprovidas de recursos para higiene básica, como água e sabão. E só.

Quando a pandemia chegava aqui, baseada justamente na sensação de que não haveria como conter o avanço da covid-19 sobre as vastas populações carentes, uma instituição inglesa fez previsões alarmantes. O agouro foi replicado no blog de um pesquisador e chegou à grande mídia. Logo depois, as fontes deram o dito por não dito, mas o noticiário já estava contaminado também pela militância política da s empresas de comunicação e de alguns profissionais. A doença ganhou viés ideológico, ao invés de ser combatida.

É sempre bom lembrar que tais informações, bem como todas as ligadas ao assunto, são apuradas pelos municípios e pelas autoridades estaduais. Para que se possa ter uma visão nacional do problema, elas são ou deveriam ser repassadas todo dia ao Ministério da Saúde, órgão que tem a incumbência de totalizar os dados e divulgar o panorama geral. Por desencontros na chegada dos dados regionais, a divulgação diária passou por percalços, o que bastou para o governo federal ser acusado pela banda golpista de tentar ocultar os números, sonegar informações e minimizar a doença.

Daí a acusarem o presidente de ser o criador da covid-19 foi um passo curto. Na verdade, a acusação já era feita ao governo federal, que também carrega a inacreditável fama, pregada em suas costas pela grande mídia e pela politicalha oportunista, de criador de todas as mazelas nacionais em apenas ano e meio. Convenhamos que se trata de enorme façanha, pois teria superado o que o lulopetismo fez em 16 anos. Ou seja: os estragos comprovados que afundaram o país e levaram o ex-presidente à cadeia e sucessora à perda do mandato.

Safadeza é o nome dessa gente e desonestidade, o seu sobrenome.

Mariana do meu coração

Com o pai coruja e, aos 15, com as avós

Nesta segunda, 15 de junho, minha Mariana faz aniversário. Não estarei com ela, mas ela está comigo, sempre. Na minha mente, no meu coração, em todos os pontos do meu corpo. A Mariana não é só a filha abençoada que Deus fez com o maior capricho. A Mariana é uma pessoa inteligente, boa e talentosa. Formidável, como dizia meu pai, o avô que ela não conheceu.

Mariana toca há anos um movimento solidário em favor de um asilo de idosos muito carentes, no extremo sul da capital paulista. Começou sozinha, reunindo doações dentro da família e entre os amigos. Mas, como nunca deixa nada pela metade, logo a ação ganhou força e atraiu voluntários também movidos pelo amor ao próximo. Este ano, ampliou-se com a participação ainda tímida de algumas empresas. E assim, mesmo na pandemia, os “velhinhos” dela não ficaram abandonados.

          O mundo nos olhos e uma paixão na Vila

Mas essa é só uma parte da minha Mariana. As outras partes, todas maravilhosas, feitas de alma forte, paixão e alegria de viver, são nossas. Dos seus pais, tios, primos e sobrinhos, irmãs e irmãos do coração, além das muitas pessoas queridas que reuniu e manteve ao longo de sua vidinha. Hoje, acredito, todos gostariam de dar um beijo nela. Terá de ser virtual, mas com valor igual.

Amo muito essa menina. E tenho um enorme orgulho de ser pai dela.

Outros domingos!

No tempo em que Santos era mais Santos, o sol mais quente, a areia da praia mais fina e a espuma das ondas mais branca, não havia como não ser feliz. Por isso, quando um amigo era levado pelos pais para alguma cidade do interior ou de outro estado, ainda que por poucos dias, batia a pena do infeliz. Como aguentaria ficar longe daqui? Como sobreviveria à falta de um domingo como os nossos?

Lembro de algumas dessas localidades. Fernandópolis, São João da Boa Vista, Águas de Lindóia. As mineiras Uberlândia e Poços de Caldas, as fluminenses Volta Redonda e Vassouras. Alguns amigos daquela infância tinham parentes pro Norte ou pro Sul. Eu mesmo tive um tio, irmão de minha mãe, que morou em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, antes de ir para Joinville e se fixar de vez em Santa Catarina.

O mais impressionante para mim foi quando apareceu no Parque Infantil Dr. Alcides Lobo Viana, Canal 1, perto da Carvalho de Mendonça, um garoto que todo ano passava férias em Buenos Aires. Outro país! Uau! Não sei se o pai ou a mãe, um deles tinha parentes argentinos. Mas o “pior” do Luizinho é que, além de bem de vida, para os padrões do nosso bairro, jogava uma bola impressionante. Dava raiva!

Até a juventude, eu mesmo ultrapassei poucas vezes o Rio Cubatão, a não ser indo a São Paulo ou para passar uns dias em Mauá, no alto da Serra, levado pelos padrinhos. Até gostava, mas logo não via a hora de voltar para o meu Marapé. A maresia chamava, tanto quanto as aventuras sem limites e sem razão entre Itanhaém e Bertioga, Praia Grande e Cubatão, São Vicente e Guarujá. No fundo, era só falta do que fazer, com uma certeza inabalável: naquilo estava toda a felicidade.

Vontade louca de subir os morros da cidade, pra catar coquinhos e bicos de papagaio e vender na feira, reforçando o trocado dos carretos. Saudades das inocentes incursões à perigosa zona portuária. Às vezes, à própria zona, à noite. Laurence Harvey praiano à procura da Kim Novak tropical na servidão humana do escritor sem obra que nasceria daquelas andanças, como parecia certo. Aí, já estou invadindo territórios do Adelto Gonçalves: a literatura e os lados do cais.

 

Se era impossível me imaginar distante da cidade, mas impensável era encontrar alguém que não fosse Peixe no nosso pedaço glorioso. Conto nos dedos da mão esquerda os quintas-colunas que conheci. É claro que tinha bem mais do que isso, mas eles preferiam o anonimato e se escondiam na Coréia, disfarçados de torcedores da Burrinha ou de espanhóis do Xabuca, se ousavam pisar na Vila. Só davam as caras, nas raras derrotas nossas, denunciados pelo sorriso discreto. Não eram loucos de ostentar, como faz hoje a fauna esquisita que veio pra perto do mar.

Mais tarde, já anos 1960, o Cabral amigo das Docas, se revelou palmeirense. Na verdade, nunca escondeu tal condição, que nele não pegava mal. Cabral era boa gente, torcia pelo time de Ademir da Guia, único jogador que lamento não ter jogado no Peixe da época, e era também um meia de respeito, no nosso time do campeonato interno do Portuários. O ruim é que o time verde dele era o único capaz de, vez por outra, bem raramente, claro, dar uma bicadinha no Santos.

Duvidoso privilégio: ver o precoce adeus de Coutinho

Entre Pelé e Dorval

Coutinho levou a dupla de zaga chilena para a entrada da própria área, quando Lima e Pelé iniciaram o contra-ataque, ainda no meio de campo. Pelé tocou para Lima e saiu em velocidade pela meia direita. Coutinho, lá na frente, voltou alguns metros, cercado pelos dois beques, e chamou o passe. Lima percebeu a movimentação do companheiro e lançou. Foi na verdade um chute, forte e rasteiro. O centroavante desviou a bola com o lado de dentro do pé direito, para a esquerda da defesa, e saiu pelo outro lado, de novo levando os marcadores.

Além de Rei, Pelé também era chamado de Fera, quando iniciava suas arrancadas mortais. Naqueles dias mesmo, em Santiago, onde o Santos disputava mais um torneio de verão, um hexagonal com a participação dos três maiores times chilenos da época, mais América do México e Dínamo de Zagreb, a agência de publicidade de uma distribuidora de combustíveis gravou com ele alguns comerciais baseados no símbolo da empresa, a pantera. Imagem perfeita.

Alcançado o milésimo gol, dois meses antes, o Rei não parecia muito animado com partidas sem importância. Mesmo assim, marcou oito vezes em cinco rodadas do torneio chileno, duas no jogo final, que deu o título ao Peixe, contra o Universidade Católica, batida por 3 a 2 na noite de 7 de fevereiro de 1970, sábado de carnaval. Coutinho fez o outro gol santista, possivelmente seu último com a camisa branca. O mais espetacular, no entanto, foi o passe para um dos tentos de Pelé, que comecei a descrever acima.

A Fera não resistiu à bola tão açucarada. Nem o Rei nem a bola precisaram acelerar ou reduzir a velocidade. Encontraram-se naturalmente dentro da área, e Pelé encheu o pé. Com tanta força, que acompanhou deslizando de peixinho pela grama a trajetória da bola até dentro do gol. Atônito, o goleiro só pode ver com o rabo do olho aquela dupla invasão de sua meta e de sua privacidade.

Coutinho nem se deu ao trabalho de verificar o desfecho do lance. Passou correndo pela minha frente, na direção oposta à comemoração dos companheiros. Fazia cara de mau e gritava: “Couto, tu é foda”, caprichando no jeito de falar da cidade que adotou antes de fazer 15 anos. Ele não era muito chegado a reverências e, embora participasse com alegria dos festejos do ataque de sonho, às vezes preferia o recolhimento.

Eu disse que Coutinho “passou correndo pela minha frente” e esqueci de explicar o que eu fazia sentado atrás do gol do Estádio Nacional de Santiago do Chile atacado pelo Peixe. A localização privilegiada, oferecida ao repórter fantasiado de fotógrafo de jornal, me permite guardar as lembranças e descrever a jogada. Claro que sem o brilho dos repórteres da época (Vital Bataglia, Alberto Helena, Roberto Avallone, Luiz Carlos Ramos, Elói Gertel, e a turma de A Tribuna), mas com informação bastante para virar obra-prima de Gepp e Maia.

Os dois ilustradores eram o replay impresso dos principais gols da rodada, na Edição de Esportes do Jornal da Tarde, cuja chegada à livraria do Café do Atlântico, na Cinelândia santista, minha turma aguardava, para curtir um pouco mais os recitais do Peixe, no fim dos anos 1960.

Os domingos daquele tempo eram fabulosos, como fábulas mesmo. Praia pela manhã, Peixe na Vila ou na TV à tarde, namoro à noite nos jardins da orla ou nas poltronas dos cinemas do Gonzaga. E sobrava tempo para as últimas cervejas, prolongando o fim de semana até a segunda-feira. O que se poderia desejar mais do que ter 18 anos e, de repente, ver Mauricy Moura despontar no mesmo bar, cantando Sou santista? Pois é! E tinha a Edição de Esportes, confirmando que nada havia igual ao Peixe.

A tristeza que ficou do carnaval de 1970, sem contradição, foi o duvidoso privilégio de assistir no Chile aos últimos jogos pra valer do jovem Coutinho. Um desperdício iniciado anos antes, por conta de problemas físicos, que Antoninho Fernandes tentou evitar, ao ter pela frente o desafio de encontrar um centroavante para o time, já sem Toninho Guerreiro, vendido ao São Paulo. Sabendo que os garotos da base não estavam prontos para a missão, o treinador foi ver na Ponta da Praia a pelada de fim de ano que reunia os maiores craques do futebol brasileiro. Coutinho comeu a bola, marcou de bicicleta e fez a alegria do grande público que servia de alambrado para o campo de areia.

O treinador não foi surpreendido. Só constatou que a solução estava ali. Terminada a farra, entregou o endereço do alfaiate ao centroavante e pediu que ele se apresentasse na Vila depois do révèillon. Com o passaporte em dia.

O piracicabano Coutinho teria feito 77 anos nesta quinta-feira, 11 de junho. Morreu o ano passado, dia 11 de março, em Santos. 

O que seria dessa gente sem o pensamento único?

Trocas de ideias, debates e principalmente bate-bocas, quando os ânimos se exaltam, são reveladores da sinceridade dos que estão sempre prontos a sacar um “em defesa da democracia”, um “pela liberdade de expressão”, um “abaixo o fascismo”. A vantagem dos que se colocam atrás de palavras de ordem, mesmo desconhecendo os significados e a prática de tão chamativas bandeiras, é cativar o gado. Pois a manada adora o rugido monótono do berrante, e segue feliz da vida, crente que tem causa.

Uma das melhores apostas do momento, poule de 10, tiro e queda, é fustigar o governo e culpar o presidente por todas as nossas desgraças. É claro que ele não se cansa de dar motivos para a pauleira, mas responsabilizá-lo pela miséria secular do país e pela pandemia que a todos os povos aflige não são apenas insanidades. São desonestidades explícitas. Percebe-se, assim, que o vírus tem no país serventia adicional, além de contagiar e matar pessoas. Também serve, não custa tentar, para derrubar mandato legítimo. Para usar uma imagem do meu tempo, é como chegar na domingueira na casa da garota mais desejada da rua e pôr pra rodar o último Beatles. Sucesso pra mais de semana, até que apareça novidade maior. Rei morto, rei posto! – e segue o baile.

Esta semana, alguém reproduziu no facebook um texto sobre a união de alguns veículos da grande mídia, alegadamente para dar “transparência” à divulgação dos números da covid-19 no Brasil. Achei bizarra a associação da palavra transparência à mídia mais tendenciosa que já tivemos. Nem na época do Marronzinho e do finado Notícias Populares se viu coisa igual. E olha que, para estes, jornalismo mundo cão era estilo desejado, não desvio. A mídia atual tenta encobrir sua prepotência com rótulos bonitos e recebe o apoio de entidades antes respeitáveis, como ABI e OAB, além de políticos oportunistas e membros do Supremo mais rastaquera da história brasileira.

Limitei-me a colocar esse estranhamento em curto comentário, e recebi pronta descompostura da dona do pedaço. Ela disse que não aceita opinião fascista, a favor da censura, no espaço dela. É lógico que logo recebeu o apoio de seguidores, o tal gado, entre os quais não sei se continuo incluído. Fui chamado de reacionário, defensor do AI-5, ideologicamente imprestável, adepto da tortura e desmerecedor da menor simpatia, mesmo misericordiosa. Paredón, decretou um militante raiz. Que seja cancelado, condenou um nutela antenado. Foi um cala-boca em regra. Não me queixo, porém, do apagamento.

O sentimento que me invade é de tristeza. O que aconteceu com essa gente que conheci quando de fato havia censura no Brasil e uma ditadura a combater? Por enquanto, não é o caso por aqui, embora conspirações nesse sentido venham de todos os lados. Há até quem defenda um golpe para impedir um golpe. OK, maluquice é pra isso mesmo, pra não se entender. Mas é justo lembrar que o maior acusado de não suportar liberdade de imprensa recebe todo dia a mais inédita campanha corrosiva movida pela grande mídia. Caramba, que tipo de censura governamental burra permite isso?

Dia sim, outro também, com bons e maus modos, o presidente fala ao reportariado de plantão na sua porta, hábito que os antecessores do lulopetismo definitivamente não cultivaram. Nas raras vezes em que receberam supostos jornalistas, em quase 14 anos, os convites só chegaram aos blogs companheiros, sustentados com recursos federais. Outra hipocrisia descarada é reclamar de restrições à liberdade de opinião.

Fiquemos num caso. O insano decano do STF coloca o Brasil no patamar do nazismo e das mais abjetas intolerâncias raciais, e nada acontece. Continua tocando inquéritos contra o governo que, em sua cabeça avariada, levou o país a essa situação. Não se considera impedido e, de fato, está a salvo de tomar um processo mais do que justo. Porque, nesse caso sim, é proibido falar mal dele.

Desviei, mas volto ao meu assunto, que são as pessoas que conheci em outros tempos, quando estávamos do mesmo lado e só podíamos ser todos muito inteligentes, dotados dos melhores propósitos, carimbados com o selo de cidadãos do bem. Estávamos do lado certo, e isso não se discutia. Era maravilhoso, mesmo que de verdade não houvesse outro lado a escolher. Só que a ditadura militar acabou, a democracia abriu novos horizontes e surgiram possibilidades além do preto e do branco. De lá para cá, só o que se exige das pessoas é que tenham capacidade de raciocinar com a própria cabeça.

Mas, como se vê, não está fácil. O esforço mental, demasiado para tantos, revela-se insuperável para a turminha bem bom do pensamento único.

Alerta de utilidade pública

Sexta-feira à tarde, à caminho de Itupeva, abasteci o carro com gasolina comum num posto da avenida Marquês de São Vicente, em São Paulo. Abasteci, não. Pensei que abasteci. Vi o frentista colocar a mangueira na entrada do tanque do carro, me distraí com outras coisas e, pouco depois ouvi o barulho do desligamento automático da bomba. Conferi a conta (99,86 reais), paguei com o cartão e dei 5 reais de gorjeta para o rapaz que me atendeu. Nem me ocorreu olhar para o painel e ver se realmente o tanque estava cheio.

No meio do caminho, mais ou menos 40 quilômetros pela Rodovia dos Bandeirantes, olhei casualmente para o marcador e vi o ponteiro lá em baixo. Acredito tanto na honestidade das pessoas que meu primeiro pensamento foi: o marcador está com defeito. Preciso ver isso. Na entrada de Itupeva, já com a luzinha de alerta acesa, parei em outro posto para ver se alguém conseguia balançar o tanque e fazer o ponteiro se mover. Santa ingenuidade, Batman!

A moça que me atendeu, mais esperta, sugeriu que eu tentasse encher o tanque de novo. Surpresa! A gasolina entrou que só vendo, e o ponteiro subiu que foi uma beleza! Deu 170 paus e o tanque ficou cheínho. De uma bomba à outra, menos de uma hora e uns 70 quilômetros de distância. Que beleza!

Tempos atrás, já havia abastecido o carro ali, no posto que me encheu o tanque de vento. Pertencia a um cantor brega, que fez sucesso nos anos 1970. “Ele vendeu pra nós”, explicou o gerente com quem falei na manhã desta terça-feira e que me ouviu com cara de paisagem. Como continuo acreditando nas pessoas, não acho que houve um golpe deliberado. Talvez apenas uma falha da bomba.

O sujeito não fez qualquer menção ao necessário ressarcimento. Só quis saber quem foi o frentista, Eu disse que era melhor ele não tentar jogar a culpa no funcionário. Na verdade, nem cobrei a restituição do dinheiro. Preferi dizer a ele que tenho muito medo de gente capaz de fazer coisas como essa. E fui embora feito um otário. Apenas, por via das dúvidas, nunca mais entro lá.

(Em tempo: se o leitor for comprar um carro usado, numa dessas revendas multimarcas, vale a pena abrir o capô e conferir se o número do chassi é o mesmo da documentação. Como o Detran esteve fechado, pode não ser.)

O rei do futebol

A estação da Sorocabana, que trouxe Dolores, e o time de Athié

O bom, meu filho, seria todos virem a este mundo no lugar em que serão felizes e tendo o time certo para torcer. Eu recebi as duas bênçãos. Nasci na beira do mar, na cidade que Braz Cubas fundou para fazer a felicidade de seus filhos, e o meu time chegou no momento exato, quando eu estava por completar um ano de idade.

Dois Santos. A cidade e o time.

Meu time foi fundado na noite de 14 de abril de 1912, ano da quinta Olimpíada da era moderna, que Estocolmo realizaria entre junho e julho. E eu nasci um ano menos cinco dias antes, no claro mês das garças forasteiras, das Palavras ao mar de Vicente de Carvalho. Ainda assim, desde que abri os olhos, apressado, já era duplamente santista.

De time e cidade.

Tão santista quanto eu, só a bela por quem me apaixonei anos depois em Eldorado Paulista, então Xiririca. Aquela que trouxe para Santos e com quem me casei e fiz família. No meu coração, tenha certeza, o Peixe já existia quando nasci antes dele. E aos pés firmes da Dolores, jamais outro solo assentou-se com tal naturalidade como o destes lugares esplêndidos entre a serra e o mar – sem dúvida, a única e definitiva pátria da minha Bela. Nada faltou para ser feliz.

Uma cidade, um time, a amada.

Para vocês, você e seus nove irmãos, livres de insignificantes incompatibilidades (cronológicas, geográficas), foi fácil assumir a dupla identidade. Nasceram na cidade abençoada e – de Arnaldo Silveira a Zito, de Urbano a Athié, do Largo da Concórdia à Vila sagrada – tiveram desde sempre o melhor time para torcer.