Trocas de ideias, debates e principalmente bate-bocas, quando os ânimos se exaltam, são reveladores da sinceridade dos que estão sempre prontos a sacar um “em defesa da democracia”, um “pela liberdade de expressão”, um “abaixo o fascismo”. A vantagem dos que se colocam atrás de palavras de ordem, mesmo desconhecendo os significados e a prática de tão chamativas bandeiras, é cativar o gado. Pois a manada adora o rugido monótono do berrante, e segue feliz da vida, crente que tem causa.
Uma das melhores apostas do momento, poule de 10, tiro e queda, é fustigar o governo e culpar o presidente por todas as nossas desgraças. É claro que ele não se cansa de dar motivos para a pauleira, mas responsabilizá-lo pela miséria secular do país e pela pandemia que a todos os povos aflige não são apenas insanidades. São desonestidades explícitas. Percebe-se, assim, que o vírus tem no país serventia adicional, além de contagiar e matar pessoas. Também serve, não custa tentar, para derrubar mandato legítimo. Para usar uma imagem do meu tempo, é como chegar na domingueira na casa da garota mais desejada da rua e pôr pra rodar o último Beatles. Sucesso pra mais de semana, até que apareça novidade maior. Rei morto, rei posto! – e segue o baile.
Esta semana, alguém reproduziu no facebook um texto sobre a união de alguns veículos da grande mídia, alegadamente para dar “transparência” à divulgação dos números da covid-19 no Brasil. Achei bizarra a associação da palavra transparência à mídia mais tendenciosa que já tivemos. Nem na época do Marronzinho e do finado Notícias Populares se viu coisa igual. E olha que, para estes, jornalismo mundo cão era estilo desejado, não desvio. A mídia atual tenta encobrir sua prepotência com rótulos bonitos e recebe o apoio de entidades antes respeitáveis, como ABI e OAB, além de políticos oportunistas e membros do Supremo mais rastaquera da história brasileira.
Limitei-me a colocar esse estranhamento em curto comentário, e recebi pronta descompostura da dona do pedaço. Ela disse que não aceita opinião fascista, a favor da censura, no espaço dela. É lógico que logo recebeu o apoio de seguidores, o tal gado, entre os quais não sei se continuo incluído. Fui chamado de reacionário, defensor do AI-5, ideologicamente imprestável, adepto da tortura e desmerecedor da menor simpatia, mesmo misericordiosa. Paredón, decretou um militante raiz. Que seja cancelado, condenou um nutela antenado. Foi um cala-boca em regra. Não me queixo, porém, do apagamento.
O sentimento que me invade é de tristeza. O que aconteceu com essa gente que conheci quando de fato havia censura no Brasil e uma ditadura a combater? Por enquanto, não é o caso por aqui, embora conspirações nesse sentido venham de todos os lados. Há até quem defenda um golpe para impedir um golpe. OK, maluquice é pra isso mesmo, pra não se entender. Mas é justo lembrar que o maior acusado de não suportar liberdade de imprensa recebe todo dia a mais inédita campanha corrosiva movida pela grande mídia. Caramba, que tipo de censura governamental burra permite isso?
Dia sim, outro também, com bons e maus modos, o presidente fala ao reportariado de plantão na sua porta, hábito que os antecessores do lulopetismo definitivamente não cultivaram. Nas raras vezes em que receberam supostos jornalistas, em quase 14 anos, os convites só chegaram aos blogs companheiros, sustentados com recursos federais. Outra hipocrisia descarada é reclamar de restrições à liberdade de opinião.
Fiquemos num caso. O insano decano do STF coloca o Brasil no patamar do nazismo e das mais abjetas intolerâncias raciais, e nada acontece. Continua tocando inquéritos contra o governo que, em sua cabeça avariada, levou o país a essa situação. Não se considera impedido e, de fato, está a salvo de tomar um processo mais do que justo. Porque, nesse caso sim, é proibido falar mal dele.
Desviei, mas volto ao meu assunto, que são as pessoas que conheci em outros tempos, quando estávamos do mesmo lado e só podíamos ser todos muito inteligentes, dotados dos melhores propósitos, carimbados com o selo de cidadãos do bem. Estávamos do lado certo, e isso não se discutia. Era maravilhoso, mesmo que de verdade não houvesse outro lado a escolher. Só que a ditadura militar acabou, a democracia abriu novos horizontes e surgiram possibilidades além do preto e do branco. De lá para cá, só o que se exige das pessoas é que tenham capacidade de raciocinar com a própria cabeça.
Mas, como se vê, não está fácil. O esforço mental, demasiado para tantos, revela-se insuperável para a turminha bem bom do pensamento único.