“Deixa comigo!” Era Edu falando por Ele

No México, em 1959: já não se discutia qual era o melhor do mundo

Naquele tempo… o Cara nada disse aos seguidores. Nem havia o que dizer, porque o debate não existia entre o pessoal da Rua XV, os apreciadores do chope do Nicanor, e muito menos entre o povão da beira do cais, da orla das praias, do Gonzaga e da Vila Belmiro. O Santos era o melhor time do mundo e ponto. Sem contestação! Sem dúvida!

O que Ele deixava rolar eram pequenas discussões (hoje chamadas resenhas, para mim de forma equivocada) que torcedor adora esquentar diante de uma cerveja gelada, de um bolinho de batatalhau e, agora, da tela do computador. Era o que acontecia e o Criador do Time dos Sonhos apenas sorria. “Centroavantes? Vejam o que reservei pra vocês!”

Para ficar só quando a metade da história apenas começava, e não recuar a Arnaldo, Araken e Feitiço, o Santos bicampeão paulista em 1955 e 1956 tinha uma dos mais técnicos e ferozes centroavantes brasileiros: Emmanuelle Del Vecchio, que substituiu Odair Titica na função de fazer gols. Mas em 1955, quando foi artilheiro do campeonato paulista e chegou à seleção brasileira, o italiano já tinha a concorrência de um atacante franzino, formado na Burrinha.

Pagão foi entrando aos poucos no time, muitas vezes ao lado do próprio Del Vecchio, e ganhou a camisa 9 quando o titular passou a substituir o meia Vasconcellos, que teve a perna quebrada num lance com o zagueiro são-paulino Mauro, na Vila Belmiro. Em setembro de 1957, Del Vecchio foi vendido para o Verona da Itália, e a camisa 10 começou a ser assumida pelo menino Pelé, que aos 16 anos já jogava na seleção, e nem era titular do Peixe.

Com tudo isso, saía de cena uma fantástica dupla avançada – Del Vecchio e Vasconcellos –, para a entrada de Pagão e Pelé, que formariam com Pepe o espetacular trio PPP. A partir daí, a sucessão de grandes centroavantes no comando do ataque santista é avassaladora. A década nem termina e já surge Coutinho, outro fenômeno precoce, que estreia com 14 anos.

Um ataque de 1955: Alfredinho, Jair, Pagão, Vasconcellos e Pepe

Essa estirpe de artilheiros (em seguida enriquecida pela chegada de Toninho Guerreiro) só encontra paralelo no que aconteceu na ponta-esquerda do Peixe, a partir do momento em que Pepe se impôs e levou o técnico Lula a deslocar o versátil Tite para o lado direito ou para a armação do time. O Canhão da Vila reinou soberano no ataque santista até a metade da década seguinte, a das grandes conquistas dos anos 1960. Aí, um atrás do outro, chegaram às praias do paraíso os endiabrados Abel e Edu.

A estreia do magrela que veio do América do Rio foi de tirar o fôlego dos mais incrédulos frequentadores das arquibancadas da Vila, tanto quanto dos eternos insatisfeitos das sociais. Eu estava lá e pensei, com outras palavras: “Caramba! Como o Peixe foi encontrar esse diabinho? Só pode ser coisa do Cara lá de cima! Mas, agora, Ele vai demorar para trazer outra novidade como essa.”

Pois não se passou um ano e, numa noite no Pacaembu, diante do Bangu, veio fazer rima o Edu, poeta de Jaú. Sem a menor cerimônia, o moleque de 14 anos tirou a bola das mãos do Rei, na cobrança de uma falta: “Deixa comigo”, ele disse ao atônito Pelé, indeciso entre dar risada ou xingar. Foi o primeiro dos 183 gols que Edu marcou pelo Santos.

(Que me desculpe o pessoal da Assophis pelos enganos factuais que cometo ao contar minhas histórias confiando só na memória. É certo que, de vez em quando, se as dúvidas são maiores do que as frágeis certezas, recorro à bíblia do Odir Cunha, também conhecida como Time dos sonhos. Então, não erro.)

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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