No tempo em que Santos era mais Santos, o sol mais quente, a areia da praia mais fina e a espuma das ondas mais branca, não havia como não ser feliz. Por isso, quando um amigo era levado pelos pais para alguma cidade do interior ou de outro estado, ainda que por poucos dias, batia a pena do infeliz. Como aguentaria ficar longe daqui? Como sobreviveria à falta de um domingo como os nossos?
Lembro de algumas dessas localidades. Fernandópolis, São João da Boa Vista, Águas de Lindóia. As mineiras Uberlândia e Poços de Caldas, as fluminenses Volta Redonda e Vassouras. Alguns amigos daquela infância tinham parentes pro Norte ou pro Sul. Eu mesmo tive um tio, irmão de minha mãe, que morou em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, antes de ir para Joinville e se fixar de vez em Santa Catarina.
O mais impressionante para mim foi quando apareceu no Parque Infantil Dr. Alcides Lobo Viana, Canal 1, perto da Carvalho de Mendonça, um garoto que todo ano passava férias em Buenos Aires. Outro país! Uau! Não sei se o pai ou a mãe, um deles tinha parentes argentinos. Mas o “pior” do Luizinho é que, além de bem de vida, para os padrões do nosso bairro, jogava uma bola impressionante. Dava raiva!
Até a juventude, eu mesmo ultrapassei poucas vezes o Rio Cubatão, a não ser indo a São Paulo ou para passar uns dias em Mauá, no alto da Serra, levado pelos padrinhos. Até gostava, mas logo não via a hora de voltar para o meu Marapé. A maresia chamava, tanto quanto as aventuras sem limites e sem razão entre Itanhaém e Bertioga, Praia Grande e Cubatão, São Vicente e Guarujá. No fundo, era só falta do que fazer, com uma certeza inabalável: naquilo estava toda a felicidade.
Vontade louca de subir os morros da cidade, pra catar coquinhos e bicos de papagaio e vender na feira, reforçando o trocado dos carretos. Saudades das inocentes incursões à perigosa zona portuária. Às vezes, à própria zona, à noite. Laurence Harvey praiano à procura da Kim Novak tropical na servidão humana do escritor sem obra que nasceria daquelas andanças, como parecia certo. Aí, já estou invadindo territórios do Adelto Gonçalves: a literatura e os lados do cais.
Se era impossível me imaginar distante da cidade, mas impensável era encontrar alguém que não fosse Peixe no nosso pedaço glorioso. Conto nos dedos da mão esquerda os quintas-colunas que conheci. É claro que tinha bem mais do que isso, mas eles preferiam o anonimato e se escondiam na Coréia, disfarçados de torcedores da Burrinha ou de espanhóis do Xabuca, se ousavam pisar na Vila. Só davam as caras, nas raras derrotas nossas, denunciados pelo sorriso discreto. Não eram loucos de ostentar, como faz hoje a fauna esquisita que veio pra perto do mar.
Mais tarde, já anos 1960, o Cabral amigo das Docas, se revelou palmeirense. Na verdade, nunca escondeu tal condição, que nele não pegava mal. Cabral era boa gente, torcia pelo time de Ademir da Guia, único jogador que lamento não ter jogado no Peixe da época, e era também um meia de respeito, no nosso time do campeonato interno do Portuários. O ruim é que o time verde dele era o único capaz de, vez por outra, bem raramente, claro, dar uma bicadinha no Santos.