A classe média vai à luta

Um boato de desabastecimento, no início da tarde de ontem, quinta (12/03), fez a classe média dos Jardins, em São Paulo, correr ao empório Santa Luzia, a fim de garantir seus queijos, biscoitos e produtos importados diversos. Senhoras nervosas empurravam carrinhos, auxiliadas por empregados domésticos.

Não chegou a ocorrer disputas mais agressivas por um pedaço de brie, mas a avalanche de gente e o congestionamento nos caixas fizeram a direção da loja acionar o circuit braker e suspender as entregas em domicílio. O pessoal dos serviços de compra por aplicativos, contudo, continuou operando normalmente.

Passei lá esta manhã, e encontrei o mercado ainda lotado, com movimento digno das festas de fim de ano. No trecho da Alameda Lorena em frente, era longa a fila de carros na entrada da garagem. Dentro, foi difícil circular nas proximidades dos caixas. Notei ser inviável fazer qualquer compra e limitei minha visita a uma ida ao banheiro. Também ali havia alguma espera, mas nada grave.

O pior desta crise, para aquela freguesia, é que não se pode nem fugir para a Europa ou América do Norte, regiões em que o vírus está pegando mais pesado. Mais feliz, o pessoal da esquerda pode continuar indo para Cuba, na certeza de que lá existe uma vacina infalível.

 

Indaiá, a Santos do poeta

Martins Fontes

Não se te apague da memória
Peço-te, flor,
O ingênuo sonho, a doce história
Do nosso amor.

Juro que nunca, em toda a vida,
A esquecerei.
Foste a mais bela e a mais querida
Mulher que amei.

Lembras-te? Dentre pitangueiras,
Dentre araçás,
Roseiras bravas e murteiras,
E manacás.

O nosso rancho se escondia,
Sobre o jundu,
Na ensolarada calmaria
Do Indaiaçu.

Ao longe, a praia, ampla e discreta,
Branca também.
Pelo mistério da hora quieta,
Ninguém, ninguém.

Tudo encantava a nossa vista,
Com o claro tom.
Tudo tão simples, tão santista,
Isto é, tão bom!

De légua em légua, umas canoas,
Sob os sapés,
Tendo, nas popas e nas proas,
Os picarés.

De malhas finas e compridas,
Em aranhol,
Redes de arrasto, distendidas,
Secando ao sol.

Bancos de pedra… Dos dois lados,
Frescos frutais,
Cheios de jambos perfumados,
E sem rivais.

Era abundante, nas encostas,
O cambucá.
E abios de que tanto gostas,
Só no Indaiá!

Coberta de hera, no caminho,
Jardim-vergel,
O nosso pouso, o nosso ninho
Caramanchel.

Sonhava a nossa intimidade,
Florindo, então!
Ah! que lembrança, ai, que saudade
No coração!

Foi nesta enseada predileta
Cheia de ingá,
Que um pescador, um grande poeta
Fez o Indaiá.

Gratos, recordas-te? – em surdina,
Líamos, flor,
Essa encantante e feminina
Rosa de Amor.

E repousavas nos meus braços,
Quase a dormir…
E me faziam teus cansaços
Sempre sorrir…

Nada turbava a doce calma
Desse ardor,
Que era, por nunca haver viv’alma,
Ainda melhor.

Semeando estrelas pela areia,
Vidrilhos no ar,
Balão aceso, a lua cheia
Prateava o mar.

Oh luar das nossas madrugadas,
Dizei, dizei,
Aos noivos, como às namoradas,
Quanto eu chorei!

E tu partiste, e tu partiste,
Tudo findou.
Um remador bondoso e triste
É o que hoje sou.

Só vinte dias tu ficaste
Comigo aqui,
Porém, depois que te ausentaste,
Não mais te vi.

Desencantado, ou sem engano
Consolador,
As horas passo olhando o oceano:
Contemplo a dor.

Martins Fontes nasceu e morreu em Santos (23 de junho de 1884, 25 de junho de 1937).

Há 63 anos, Elvis conheceu Lenny

Noite destas, assisti ao documentário sobre Leny Eversong (“Leny, a fabulosa”, de Ney Inácio), num canal da TV por assinatura. Reencontrei-me assim com a cantora santista que foi sucesso mundial, nos anos 1950/1960, mas não é valorizada por aqui. A fama internacional aconteceu na minha meninice. Leny cantava em inglês, espanhol, italiano e francês.

Quando foi para os Estados Unidos, era criticada no Brasil por causa do repertório internacional. Mesmo assim, desde o início dos anos 1950 já havia gravado Lupicínio, Adoniran e Tom Jobim. Em janeiro de 1957, depois de shows em Las Vegas, Paris e Nova York, participou do programa de TV de Ed Sullivan (rede CBS), ao lado do jovem Elvis Presley.

Nos Estados Unidos, suas plateias incluíam Count Basie, Frank Sinatra e Sammy Davis Jr. Em determinado momento, vejam só, foi considerada a melhor cantora dos EUA. Era comparada a Billie Holiday pela crítica local.

Confesso que também não me liguei muito na carreira da cantora santista. Mesmo quando ela voltou ao Brasil, morrendo de saudades daqui e desejando ficar ao lado do marido, que não a acompanhou nas temporadas norte-americanas. Vi alguma coisa de suas apresentações na TV brasileira, mas desconheci totalmente o drama que ela vivia.

O Brasil estava sob a ditadura militar. Entre o fim dos anos 1960 e o início dos 1970, o marido Francisco Luís Campos Soares da Silva desapareceu (teria sido sequestrado) e nunca mais se soube dele. Leny adoeceu, abandonou a carreira e aproveitou as últimas aparições na TV para pedir publicamente informações sobre Francisco.

O marido foi considerado desaparecido, o que a impediu de usufruir suas posses. Era casada em regime de comunhão universal de bens e, pelas leis da época, tudo o que tinha ficou bloqueado. Quando o dinheiro acabou, vendeu troféus e foi viver na casa de amigos. Anos depois, legistas teriam identificado Francisco junto às ossadas de quatro sindicalistas.

Este texto não pretende fazer a biografia, nem mesmo traçar um perfil de Leny Eversong. É só a lembrança de uma artista que teve seus anos de glória e acabou esquecida. Hilda Campos Soares da Silva, seu nome verdadeiro, nasceu no dia 1º de setembro de 1920, em Santos, onde começou cantando na Rádio Clube, aos 12 anos de idade. Morreu de diabetes em São Paulo em 29 de abril de 1984. Tinha só 64 anos.

O fim do Jornal da República e de uma época do jornalismo

Há quarenta anos, na noite deste dia, fechamos a edição de 8 de janeiro de 1980 do Jornal da República e fomos para o Spazio Pirandelo, restaurante que Vladimir Soares e Antonio Maschio inauguravam num casarão da Rua Augusta. O jornal agonizava, mas vivíamos o verão da anistia, como dizia Nirlando Beirão. O retornado Gabeira desfilava por Ipanema sua sunga de crochê, e a época era de festas. Fomos, portanto, para a festa, que Vlad e Maschio sabiam fazer como ninguém.

Duas semanas depois, na terça-feira 22 de janeiro, circulou a edição final, com um até breve em editorial otimista de Mino Carta. O jornal estaria apenas dando um tempo, e voltaria mais forte. Reconhecido pelas notáveis criações da revista Quatro Rodas e do Jornal da Tarde, Mino não admitiu o equívoco. O Jornal da República não durou cinco meses.

Como comparação, lançado em 4 de janeiro de 1966, o Jornal da Tarde estreou com um furo mundial: Pelé casa no carnaval, dizia a manchete de capa. Possivelmente formado pela mais competente redação brasileira da época, o Jornal da República não teve nada melhor do que uma geladíssima matéria sobre os estertores da carreira de Mané Garrincha para sua capa de 27 de agosto de 1979. O fracasso se anunciava de cara.

Formada em boa parte por demitidos do pós-greve de maio de 1979, a equipe de jornalistas não ficou ao relento. Parte foi absorvida pela revista IstoÉ, do grupo proprietário do jornal, e parte arranjou colocação em outras redações. Eu mesmo saí direto para a Praça Marechal Deodoro, indicado por Raul Bastos e contratado por Valdir Zwetsch, para ocupar vaga de editor de texto no Bom Dia, São Paulo!

Apesar de tudo, entendo que o fechamento do Jornal da República representou o ocaso de uma das melhores fases do jornalismo paulista, iniciada com a resistência à ditadura militar, que uniu alguns empresários da comunicação e redações submetidas a presença física de censores, e reforçada pelo aparecimento de uma combativa imprensa alternativa. Também contribuiu fortemente para precipitar o fim dessa era a reação desproporcional dos patrões diante da greve dos jornalistas. As demissões debilitaram o sindicato e levaram os jornalistas de maior prestígio a procurar soluções individuais para suas carreiras.

Ano Bom!

A passagem do ano era a grande data do calendário do nosso pai. Desde o chalé de dois cômodos de madeira do Marapé, início das minhas lembranças, comemorar a chegada do Ano Bom, como se dizia, era obrigatório na nossa família. A exceção foi o ano em que o Albano deu de querer fugir de casa, junto com o amigo João Cachorro, que na nossa imaginação parecia destinado a uma vida de aventurosa marginalidade, mas virou um pacato criador de porcos.

A dupla foi localizada na manhã do dia primeiro de um ano qualquer da década de 1950, dormindo num barco atracado aos pés do Monte Cabrão. Não se sabe se arrependidos, e nem ao menos aonde queriam ir. Estavam inteiramente comidos pelos vorazes mosquitos do Canal da Bertioga.

Já nos sobrados da Emílio Ribas e da João Guerra, a festa cresceu, primeiro pelo aumento natural do clã formado pela Bela Dolores e pelo Bom Fonseca. O caçula Antônio Carlos, o último dos dez filhos vivos; nasceu em 1960 e encerrou a produção. Em seguida, contribuiu para a ampliação da festa a entrada em cena dos primeiros agregados: nossos amigos, os amigos dos nossos amigos e, sobretudo, as primeiras namoradas.

No apartamento do Embaré, a uma quadra da praia, nossa menor distância do paraíso, a festa virou superprodução. O pai, driblando a persistente dureza, comprava as bebidas e as castanhas portuguesas aos poucos, com antecedência de pelo menos três meses, muitas vezes avançando perigosamente no endividamento junto aos fornecedores. No fim, dava tudo certo e valia muito a pena. Fazia o velho abrir o seu melhor sorriso, a cada pacote ou engradado que levava para casa.

A mãe seguia produzindo suas especialidades, como as tortas de camarão e as rabanadas, mas foram as noras que colocaram nosso cardápio do Ano Novo em patamar superior, com as contribuições que trouxeram. Numa dessas noites, fomos honrados com a paella valenciana da cunhada Eliane, que também introduziu na família seu inigualável antepasto de berinjela. Parte da comilança era preparada na tarde de 31 de dezembro, ao tempo em que, na praia em frente, se disputava a mais espetacular pelada já vista nas areias santistas.

Iguais aos blocos “vai quem quer” dos desfiles de Dona Dorotéa, vamos furar aquela onda?, nossos embates começavam com, digamos, 8 contra 8 e terminavam com até 15 para cada lado, à medida que o pessoal ia chegando. Parentes, amigos e desconhecidos nem esperavam convite. Olhavam o time em minoria e entravam na roda. Acabava com todo mundo caindo no mar e prosseguia noite afora, nas conversas em torno das cervejas e dos assados.

Nas últimas festas, ainda com o pai vivo, no início dos anos 1980, chegaram os primeiros netos, completando a felicidade geral. O Bom Fonseca, que jovem participou de pelo menos uma Corrida dos Garçons, profissão que também exerceu como bico, fazia questão de assistir à São Silvestre, na época dominada por atletas portugueses e chilenos e corrida bem perto da passagem do ano.

Quando Carlos Joel Neli, o diretor de A Gazeta Esportiva começava a entregar os troféus para vencedoras e vencedores, o mano Ouhydes pegava a vassoura e varria a casa em direção à porta de saída. A gente ia atrás gritando “põe o (ano) velho pra fora”, os rojões cresciam de intensidade, nos abraçávamos e ríamos, com uma alegria que nunca mais eu sentiria.

Só risos. Nenhuma lágrima, como as que agora me rolam pelo rosto.

Mensagem que certamente não terá resposta da Globo

Senhores,

Há muitos anos sou assinante dos canais pagos do sistema Globo de televisão. Das TVs por assinatura, sou três vezes assinante, em São Paulo, Itupeva e Santos. Igualmente há bem mais de uma década, tenho duas assinaturas (São Paulo e Itupeva) dos canais Première, que transmitem ao vivo os jogos dos campeonatos paulista e brasileiro. Sou torcedor do Santos FC.

De uns tempos para cá, tenho o desprazer de perceber que os jogos do meu time são praticamente ignorados no canal aberto da Globo, que detém a exclusividade das transmissões dos dois campeonatos. Mais recentemente, também os canais SporTV passaram a excluir os jogos do Santos FC. Para ver o Peixe, vou regularmente à Vila Belmiro e ao Pacaembu. Para vê-lo em locais mais distantes, a opção foi assinar o Première.

Os canais SporTV chegam ao cúmulo de sequer reprisar o Santos. Torcedor gosta de ver seu time ao vivo, e também nas reprises. Esse prazer o sistema Globo não oferece aos assinantes santistas. Ao longo do ano, cansei de ver todos os times sendo reprisados, não uma, mas até dezenas de vezes em poucos dias, incluindo as partidas da segunda divisão. Do Peixe, nada!

Recentemente, descobri que o canal 221 Première costuma reprisar os jogos da semana. Nele, não seria possível excluir o Santos. Pelo menos, era nisso que eu ingenuamente acreditava. Até cair na real na última terça-feira, dia 09/12/2019. Da forma mais inacreditável, pude ver que até nos canais que o assinante paga diretamente para ver seu time, a Globo favorece algumas torcidas e desrespeita outras. No caso, a do Santos.

Domingo, não pude ir a Santos ver o último jogo do campeonato. Compromisso pessoal também me impediu de ver na TV. De madrugada, o jogo foi reprisado uma vez no Première, mas o sono me venceu. Não me incomodei e, a partir da segunda-feira, passei a procurar nova reprise. Mas o canal havia resolvido fazer justa homenagem ao time campeão brasileiro de 2019, reprisando em sequência todos os seus jogos. Tudo bem! Era só ter paciência e esperar pelo 38° jogo, o último, justamente o do Santos contra o Flamengo, na Vila Belmiro.

De vez em quando, eu ia ao 221 e conferia em que altura do campeonato estávamos. No fim da tarde daquela terça-feira, o jogo que estava passando era a goleada do Flamengo sobre o Goiás, o 37° do Brasileiro 2019. Em seguida, animei-me, viria a partida que eu tanto aguardava: Santos x Flamengo, na Vila. E era isso que anunciava o rodapé da tela da TV: depois de Flamengo e Goiás, viria Santos x Flamengo, encerrando o campeonato.

Apesar disso, o jogo que entrou foi Flamengo x Santos, o 19°, no Maracanã, no primeiro turno, que terminou com vitória apertada do time carioca. Sem acreditar no que estava vendo, voltei ao rodapé para conferir: Santos x Flamengo era o jogo que deveria estar sendo exibido. Por coincidência, a partida em que o Flamengo sofreu sua maior goleada: 4 a 0 para o Peixe.

Me senti um otário. Eu pago a assinatura para ser desrespeitado desse jeito pela emissora? Não só eu, mas todos os torcedores do Santos fomos desrespeitados. Mais ainda: todos os assinantes tiveram seus direitos fraudados pela emissora.

A atitude aparentemente banal significou muito mais, porém. Foi de fato uma desonestidade. A Globo sentiu-se no direito de reescrever a história do campeonato, ao eliminar de sua grade o jogo número 38 de Flamengo e Santos. Para ela, a goleada santista não aconteceu.

Como os senhores explicam essa vergonha? Duvido que consigam, pois não há explicação possível para uma atitude tão mesquinha e desonesta. Foi lamentável mesmo para os padrões da emissora, que acha normal torcer descaradamente por um clube, em detrimento dos demais, e escalar para a cobertura da final da Libertadores ex-jogadores ligados ao Flamengo e profissionais reconhecidamente torcedores do time carioca.

Esta mensagem é apenas um desabafo, pois não espero qualquer reconhecimento da parcialidade que orienta o trabalho de vocês. Só espero que esse monopólio daninho ao futebol brasileiro acabe em breve.

Atenciosamente,,

(Na verdade, fiz uma tentativa de enviar esta mensagem para a emissora. Não sei se consegui. apesar de todo o questionário que tive de responder)

Folha deve esclarecer sua atuação nas atividades da organização criminosa

Até bem pouco tempo, quando reproduziam notícia publicada por um concorrente, os veículos de informação tinham o cuidado de fazer antes sua própria checagem. E, além do crédito ao veículo que havia feito a revelação inicial – o “furo”, como dizem os jornalistas –, aplicavam sua chancela: a veracidade da informação foi confirmada por nossas fontes. Mesmo quando isso não era possível, a simples menção ao outro veículo conferia credibilidade à notícia. O público podia, então, achar que a imprensa estava trabalhando direito.

Ultimamente, porém, a mídia deixou de ter esses cuidados, ou passou a considerar que são desimportantes. Sem mais nem menos, começou a bombardear o público com um noticiário para lá de suspeito, atribuído a um site estrangeiro, que ofende e acusa autoridades brasileiras, sem esclarecer a origem e a veracidade do que publica. Terrorismo à parte, não se menciona a linha ideológica que conduz o “jornalismo” praticado pela organização e o viés partidário de sua atuação no Brasil. É claro que, se nada disso é levado em conta, que importância teria o fato de a sigla política de sua preferência estar cravada no próprio nome que escolheu para seu site? É surreal!

A reprodução dos supostos diálogos supostamente hackeados por supostos jornalistas chega a lembrar os esquetes das fofoqueiras, personagens obrigatórios nos antigos programas populares de humor da TV. Como “A praça é nossa” e “Escolinha do professor Raimundo”. Remete ainda mais à coluna “Mexericos da Candinha”, na extinta Revista do Rádio, nos anos 1960. As fofoqueiras dos humorísticos falavam de traições conjugais e de comportamentos sexuais considerados estranhos na época, com personagens fictícios em ambientes domésticos, no trabalho e nas relações entre vizinhos. Candinha tinha o mundo artístico como alvo, abordando questões semelhantes, mas seus personagens tinham carne e osso, embora nem sempre fossem identificados no texto.

Por isso, Candinha mais sugeria do que afirmava. Mais ou menos como faz hoje a organização criminosa internacional, divulgando pequenos trechos de gravações apócrifas, que atribui-a autoridades reais. É claro que não entrega o material para perícia e validação, mas até aí seria apenas delinquência a ser apurada pela polícia e apenada pela justiça. Mas imaginemos que as fofoqueiras da TV e a mexeriqueira da revista fossem colocadas nas bancadas dos telejornais para ler o noticiário sério. Qual o abalo na reputação do jornalismo dessas emissoras?

Pois a Folha colocou a Candinha para cuidar do seu noticiário político.

Durante o governo Dilma, a TV Globo foi procurada pela mesma organização criminosa, para ajudá-la a divulgar no Brasil o fruto de suas bisbilhotices nos serviços de inteligência norte-americanos. No conjunto da obra, havia um subproduto de menor importância, que interessou à emissora brasileira: a então presidente estaria sendo “escutada”. Não se conhecem os termos da parceria firmada na época.

Agora, sabendo que por si só não teria a menor credibilidade, os delinquentes voltaram a procurar Globo, oferecendo o suposto material contra Moro e a Lava Jato. A emissora percebeu que as situações eram semelhantes, mas muito diferentes, e fez algumas exigências naturais e pertinentes. Quis conhecer a íntegra do material, sua origem e a forma como foi obtido. Não atendida, declinou do convite. Daí que foi acusada pelo ex-parceiro de ter viés partidário e ser defensora da Lava Jato. Isso não a impediu a Globo de, divulgados trechos pinçados ou criados pela orcrim, também se servir gostosamente deles.

Firmado o acordo com a organização criminosa, a Folha passou a reproduzir o produto do crime somo se fosse seu. Se não teve respostas positivas aos questionamentos feitos pela Globo, é bastante provável que esteja apenas colocando em suas páginas um material que lhe é entregue pronto e acabado, e que não tem como checar. Isso não exime o jornal de responsabilidades penais, pois, como sua direção bem sabe, disseminar noticiário falso é crime.

A admissão de sua ombudsman de que as escutas podem ser ilegais reforça a impressão de que a Folha não sabe o que está publicando. N o mesmo sentido atuam os frequentes atos falhos de seus redatores, que chamam de “supostos” os diálogos distribuídos pelo cúmplice. É triste ver o jornal de Abramo, Dines e Rossi nessa situação.

Mas não se pode excluir a outra possibilidade. E se, de fato, a organização criminosa abriu todo o jogo para o parceiro brasileiro? E se, mais ainda, está compartilhando seus métodos de trabalho e conta com a ajuda de repórteres caboclos na obtenção ilegal do material? Isso significaria que a eventual participação do jornal no crime seria mais profunda. O que me faz lembrar de outra lambança histórica do jornalismo paulistano.

No início dos anos 1980, um jornalista carioca veio chefiar a reportagem do Estadão, trazido pelo então secretário de redação Miguel Jorge, futuro ministro de Lula. Arrogante, o rapaz logo entrou numa enrascada das grandes. Pelo telefone, conheceu um sujeito que se dizia em situação desesperadora, de tal forma que estava disposto a assaltar um banco, para resolver o problema.

O solerte viu ali a oportunidade de produzir uma reportagem testemunhal e participativa, como era moda na época. Combinou dia e horário e colocou uma dupla repórter/fotógrafo para acompanhar a aventura. Evidentemente, tudo acabou mal. O sujeito foi pego pela polícia e delatou os cúmplices, os profissionais do jornal, que tiveram de contar com a ajuda do secretário da Segurança Pública para escapar da treta. Detalhe: esse chefe de reportagem gabava-se do Prêmio Esso de Jornalismo que possuía. Assim como o chefe da orcrim é louvado pelos aliados da corrupção por um prêmio Pulitzer.

Então, para retomar a meada que me escapou ao lembrar do jornalista assaltante do Estadão, vejo na entrada da Folha no caso da ação criminosa contra autoridades brasileiras uma promissora linha de investigação. Se a organização criminosa resistir definitivamente em colaborar, a Polícia Federal poderia fazer uma visitinha ao pessoal da Barão de Limeira. Se também aí for impossível elucidar o crime, poderemos pelo menos saber se a Folha tem papel ativo na bisbilhotagem ou se, pelo contrário, seu papel é insignificante.

Algo como servir de barriga de aluguel para a organização criminosa depositar ali sua sujeira e ver nascer os monstrinhos do noticiário fake.

“Couto, tu é foda”

Coutinho levou a dupla de zaga chilena para a entrada da área, quando Lima e Pelé iniciaram o contra-ataque, ainda no meio de campo. Pelé tocou para Lima e saiu em velocidade pela meia direita. Coutinho, lá na frente, voltou alguns metros, cercado pelos dois beques, e chamou o passe. Lima percebeu a movimentação do companheiro e lançou. Foi na verdade um chute, forte e rasteiro, numa distância de quase trinta metros. O centroavante desviou a bola com o lado de dentro do pé direito, para a esquerda da defesa adversária, e saiu pelo outro lado, de novo levando junto os marcadores.

Além de Rei, Pelé também era chamado de Fera, quando iniciava suas arrancadas mortais. Naqueles dias mesmo, em Santiago, onde o Santos disputava mais um torneio de verão, um hexagonal com a participação dos três maiores times chilenos da época, mais América do México e Dínamo de Zagreb, a agência de uma distribuidora de combustíveis gravou com ele alguns comerciais baseados no símbolo da empresa, a pantera. A imagem era perfeita.

Alguns companheiros não gostavam do que consideravam privilégios concedidos pelo Santos a Pelé. Entre eles, a autorização para deixar o hotel e ir ganhar alguns trocados com publicidade. Um dos descontentes era o capitão Carlos Alberto Torres. No início de um treino, ele pediu a palavra ao técnico Antoninho Fernandes e cobrou mais empenho e envolvimento dos companheiros. De fato, o Peixe havia começado mal o torneio, com uma derrota (Colo-Colo) e um empate (Dínamo). O lateral lembrou que era ano de Copa e o futebol brasileiro já não assustava tanto os adversários. Era janeiro de 1970, e a advertência parecia dirigida a Pelé.

Alcançado o milésimo gol, dois meses antes, o Rei não parecia muito animado em disputar partidas sem importância. Mesmo assim, marcou oito vezes em cinco rodadas do torneio chileno, duas no jogo final, que deu o título ao Peixe, contra o Universidade Católica, batida por 3 a 2 na noite de 7 de fevereiro de 1970, sábado de carnaval. Coutinho fez o outro gol santista, possivelmente o último com a camisa branca. O mais espetacular, no entanto, foi o passe para um dos tentos de Pelé, que comecei a descrever acima.

Mesmo desmotivada, a Fera não resistiu ao passe tão açucarado, como diziam os locutores da época (eu preferia o interminável magistraaaaalllll gol de Pelé, de Edson Leite, para mim o melhor narrador da Copa da Suécia). Nem o Rei nem a bola precisaram acelerar ou reduzir a velocidade. Encontraram-se naturalmente já dentro da área da Católica, e Pelé encheu o pé. Com tanta força, que acompanhou deslizando de peixinho pela grama a trajetória da pelota até dentro do gol. Atônito, o goleiro só pode ver com o rabo do olho aquela dupla invasão de sua meta e de sua privacidade.

Coutinho nem se deu ao trabalho de verificar o desfecho do lance, no qual teve participação decisiva. Passou correndo pela frente do fotógrafo, na direção oposta àquela em que seus companheiros amontoavam-se em comemoração. Fazia cara de mau e gritava: “Couto, tu é foda”, caprichando na concordância vigente na cidade que adotara antes de fazer 15 anos. O centroavante não era muito chegado a reverências e, embora participasse com a mesma alegria das comemorações do ataque de sonho, às vezes preferia o recolhimento.

O inferno astral do jornalismo brasileiro

A reputação da imprensa anda bem suja, depois das trapalhadas recentes protagonizadas por repórteres da Globo, e endossadas em pelo menos um caso por companheiros solidários. Vejam a repórter que telefonou para um número errado e colocou o diálogo insano no ar para sustentar denúncia contra um conselheiro do clube Cruzeiro de Belo Horizonte. No último domingo, o programa Fantástico teve de mostrar a cena de comédia pastelão no ar e pedir desculpas aos telespectadores. Pode haver situação mais constrangedora para a jornalista, o programa e a emissora?

Como acreditar num jornalismo cujos repórteres interferem na notícia (Mauro Naves, na acusação contra Neymar) ou usam a notícia para gerar negócios (a repórter casada com um empresário de jogador de futebol, que entrevistou o cliente do marido para abrir uma negociação com o clube dele)? Tais fatos não são apenas vergonhosos, mas acabam com a reputação de todos os envolvidos. O caso Naves ainda respingou malcheirosamente em companheiros de outros veículos, como o blogueiro do UOL, que colocou a mão no fogo pelo repórter afastado da Globo. O blogueiro teve igualmente de pedir desculpas aos seguidores. É o que dá reagir corporativamente e/ou ideologicamente, de forma militante, sempre que se assume uma posição.

Esses seriam casos, digamos, pontuais. Mas que se repetem de forma intrigante, a indicar a inexistência de controles internos que possam inibir tais comportamentos. Tempos atrás, muito antes da implantação do VAR, um repórter de campo da emissora sentiu-se autorizado a informar os integrantes do banco de reservas do Flamengo que, na opinião dos comentaristas da emissora, o juiz havia errado na marcação de um pênalti a favor do Santos. A “informação” logo chegou ao árbitro, que voltou atrás e anulou a decisão anterior. Aquele possível gol classificaria o time da Vila e eliminaria o clube carioca da competição, de forma que a interferência externa causou grave prejuízo ao Peixe.

Talvez se deva lembrar aqui a famosa história da “máfia do apito”, revelada pela revista Veja e utilizada por Galvão Bueno, da mesma Globo, para forçar o STJD a melar o campeonato brasileiro de 2005 e diretamente ajudar o Corinthians a ganhar o título da competição. Foi um dos maiores escândalos de manipulação do futebol brasileiro. Quando a revista revelou o caso, a polícia paulista já havia concluído a investigação e apurado jogo a jogo a conduta do árbitro acusado de mafioso. Em apenas duas ou três partidas teria havido interferência do juiz modificando o resultado final.

O presidente do tribunal desportivo pensava em anular apenas essas partidas, mas Galvão exigiu a anulação dos onze jogos apitados por Edílson Pereira de Carvalho, e foi obedecido. No pacote incluíam-se duas derrotas e um empate do time de Itaquera, sem o menor indício de fraude. Ou seja, o alvinegro da Zona Leste paulistana havia somado apenas um ponto, dos nove possíveis. Quando os jogos foram novamente disputados, ganhou 100% dos pontos.

Mais avassalador para a credibilidade de mídias como a Globo e o UOL é o tratamento que deram ao vazamento criminoso de escutas ilegais, promovido por uma organização internacional que se traveste de jornalística, para militar ideologicamente pelo mundo. Consciente ou inconscientemente, ambos fizeram o jogo dos responsáveis pela prática desonesta. Foram cúmplices no crime. O objetivo evidente é desqualificar as condenações a que o ex-presidente Lula foi submetido pela Justiça em até três instâncias e, ao fim, obter sua libertação. Para isso, tentam jogar lama sobre o ex-juiz Sérgio Moro, a Operação Lava Jato e a força-tarefa constituída para conduzi-la.

Num cenário ainda mais amplo, a evidente cumplicidade dos dois órgãos de imprensa insere-se na chamada “resistência”, que visa a enfraquecer o atual governo, desestabilizá-lo e, se possível, derrubá-lo. O sonho é abrir caminho para a volta ao poder dos que, nos últimos 16 anos, arruinaram o País. Essa gente, quando perde o jogo, não aceita o resultado. Rouba a bola, para melar a disputa legítima.

Mas a desgraceira da Globo vai além. “Acusada” pela organização de ser defensora da Lava Jato (pelo fato de não ter concordado em publicar os vazamentos sem saber do que se tratava e qual sua origem), a emissora teve de emitir nota oficial admitindo que, em tempos recentes, fez um acordo com ela. Como sabe qualquer policial da mais remota delegacia, o primeiro passo para levar bola entre as pernas é acumpliciar-se com meliantes, porque isso equivale a confiar nos parceiros. Tempos atrás, a Globo acreditou na organização e aceitou sua parceria. Agora, recebeu o troco.

Só Lula de Deus livre salva o Brasil! Crendeuspai!

Já sei, mas não ligo. Vão me chamar de bolsonarista fascista, mesmo quando sabem que no segundo turno de outubro fiquei distante das duas tragédias reservadas à infeliz Sofia em que parte dos eleitores se viu transformada. Ou seja, prensado entre tão tristes, e no fundo parecidas opções, exerci o direito que William Styron não concedeu à personagem vivida por Meryl Streep no cinema. Votei em branco. Escolhi a não-escolha.

Tudo isto posto, venho dizer que nunca antes neste país, ou pelo menos a partir do embate Collor-Lula, um governo assumiu cercado de tão duros vaticínios. E do mais animalesco boicote. A partir do primeiro dia de 2019, segundo os inconformados de outubro, o país entraria na mais absoluta treva. Retrocederia cerca de cinco décadas até a ditadura militar, ao arbítrio sem remissão, à violência odienta do Estado, à tortura e ao aniquilamento físico dos adversários. Pior que o tempo dos milicos do AI-5. Tudo porque “o mal venceu o bem”.

E lembrar que, no primeiro turno, o diabo não parecia tão feio! Tanto que as esquerdas (Cyro, Boulos, Haddad) preferiram bater no candidato tucano, enquanto a Alckmin cabia encarar Bolsonaro sozinho. O picolé foi ejetado da disputa e rolou um frente a frente mamão com açúcar para os petistas, mesmo com a defecção de Ciro e o vacilo de Marina. Inevitavelmente, imaginavam os inteligentezinhos, estava assegurada a vitória “dos que querem o bem e a felicidade de todos”, diante de tão tosco rival.

Bastava expor ao distinto e esclarecido público os terríveis defeitos do capitão: intolerante, reacionário, inimigo do aborto e das políticas sociais, adepto da violência policial-militar, antifeminista, homofóbico, racista. Tudo enfim que só encontra paralelo em bater na própria mãe. Pelo menos, era o que calculavam os estrategistas incapazes de tirar Lula da cadeia, os crentes de que postes ganham sempre. O problema é que não deu certo, a preferência pelo outro só fez aumentar e a gente boazinha ficou desesperada. Nem as fake news e o apoio indisfarçado da mídia ajudaram. O capeta levou quase 60% dos votos.

Do estupor e da frustração insuportáveis, cresceu o ódio aos próprios aliados e aos eleitores e surgiram a “resistência” e o “ninguém larga a mão de ninguém!” Dessa insanidade e da raiva incontida decorrema hostilidade ao governo, a implicância com seus ministros e o desejo não escondido de que tudo dê errado para o país. De Moro à pastora, de Guedes ao astronauta, dos ministros militares à mulher e os filhos do presidente, nada presta no novo governo.

Como se não tivessem sido ministros de Lula e Dilma finórios da estirpe de Dirceu, Palocci, Mantega, o marido da Hoffman, a própria e tantos aliados de rapina, à esquerda e à direita. Até Delfin, Collor e Maluf estiveram juntos, deram as mãos, crendeuspai! Como se Bolsonaro não ocupasse justamente o lugar que até recentemente foi de Lula e Dilma e Temer, a sujíssima trindade dos 16 anos de governos petistas. Como se tantos outros filhos e primeiras damas não tenham cultuado malfeitos até maiores.

Não importa! Para os resistentes, que venha o tsunami, que nada sobreviva, que não reste pedra sobre pedra. Para os adoradores do amado guia, tão fanáticos quanto a ministra que viu Jesus na goiabeira, a redenção só virá com o Lula de Deus Livre e a reinstalação do quadrilhão no lugar do farsante. O que virá, sem dúvida, se as tropas de Stédile e Boulos, da CUT e dos sindicatos pelegos elevarem de novo a guarda e reforçarem a violência insana, com ou sem mortadela, e mantiverem a militância parva ativa. Crendeuspai de novo!