Um grande jornalista

O casamento com Ismênia

Está fazendo 60 anos. O dia provável é 27 de dezembro, no cenário vasto da Praça da Sé e da Praça Clóvis, ainda não unidas pelo metrô. O menino pequeno (eu) tenta acompanhar os passos largos do irmão mais velho, atravessando a área central de São Paulo em direção à loja que funcionava como terminal dos ônibus que desciam a Serra do Mar, na ligação com Santos pela Via Anchieta.

Depois de mais um ano internado no seminário dos padres paulinos, na Rodovia Raposo Tavares, o menino ia passar pouco mais de 20 dias de férias com a família, no chalé humilde do Marapé. Por isso, não poderia estar mais feliz, alvoroçado ainda pela companhia do irmão que era também o ídolo dele. Talvez aqueles momentos tenham sido os mais alegres da minha vida.

Aos 22 anos, Ouhydes João, o primeiro dos 12 filhos do casal perfeito formado pela Bela Dolores e pelo Bom Fonseca, estava perto de se diplomar pela então Escola de Jornalismo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Católica de Santos. Durante a faculdade, foi presidente da União dos Estudantes de Santos. Formado, iniciou-se na profissão como repórter de A Tribuna, antes de ser convidado a trabalhar no Jornal da Tarde (Grupo Estado).

A trajetória que se seguiu fez dele um dos melhores jornalistas brasileiros, com passagens pelas principais redações, entre elas Estadão, Jornal do Brasil e TV Globo, nos mais diversos cargos. Ouhydes dominava todas as habilidades próprias do jornalismo, com apurado faro de repórter, texto impecável, noção total do que é notícia e notável senso estético no desenho das páginas da editorias que comandou. Era tão completo que naturalmente virou professor, um dos melhores, na avaliação das dezenas de profissionais que ajudou a formar. Mestre e doutor pela USP, foi vice-reitor da Universidade Católica de Santos.

É claro que a história aqui está sendo terrivelmente simplificada. O jornalista e professor foi muito mais do que isso. Foi também um impressionante organizador de eventos e um incansável criador de ações comunitárias. Jornais lançou os mais diversos, desde os tempos em que jogava no EC Rio de Janeiro, do Marapé, e produzia o mural informativo do time de futebol. Na crise do final dos anos 1970, que afetou drasticamente o mercado de trabalho, organizou a Cooperativa dos Jornalistas, reunindo os companheiros desempregados.

Na editoria de Esportes de A Tribuna, lançou a mais espetacular competição estudantil do país, os Jogos Universitários da Baixada Santista, Jubas. Secretário de Esportes da administração Telma de Souza, criou a primeira escola municipal de surf, junto com Picuruta Salazar. Ouhydes nunca parou, e a atividade incansável foi sua razão de viver. Por isso, declinou fisicamente quando levado a uma aposentadoria precoce e indesejada.

Hoje, quando completa 82 anos de idade, o mano querido vive cercado pelo carinho de suas mulheres. A esposa Ismênia e as filhas Rachel, Natasha e Larissa.

Uma corte que não deixará saudade

Doze deuses habitavam o Olimpo grego. O nosso tem onze 

Não se sabe de que escritura consta que nosso triste stf é um olimpo. Se o disparate existe, só pode ser em bíblia apócrifa. Mas os companheiros de Toffoli não só teriam lido tal heresia, como acreditam nela. Julgam-se os próprios deuses. Acham-se infalíveis, posto que situados acima dos cidadãos comuns, blindados de críticas, mesmo de meras discordâncias.

Nas últimas semanas, pela voz excessiva e enfadonha do insignificante Celso de Mello (quem te conhece que te avalie, não é Saulo Ramos?) e pelos arroubos de Alexandre de Moraes (teu passado te condena), a corte deu de afrontar o executivo. Não só desautoriza decisões de atribuição constitucional do governo federal, como decide investigar arbitrariamente o presidente e seus auxiliares.

Os “crimes”, cuja procura é suscitada por denúncias não sustentadas, típicas do jogo da oposição, mas que são acolhidas pelo tribunal em céleres decisões monocráticas, não valem o tempo gasto por essa estrutura caríssima e perdulária sustentada pelo contribuinte. Na maioria, de acordo com a própria justificativa do relator do processo, é tentativa de atropelar a lei e criminalizar opinião.

Diante da confrontação descabida, nem é preciso questionar que propósito anima o judiciário. Sem a menor dúvida, as togas afinal unem-se à resistência desatinada, à negação do resultado de uma eleição legítima e à não dissimulada tentativa de golpe político. Há clara busca da ruptura institucional, desatenta às consequências que pode causar ao país, já tão devastado pela corrupção e, no momento, pela pandemia.

Tal destemor dos ministros só pode basear-se na crença da força de uma oposição barulhenta mas pouco efetiva, na sensação de enfraquecimento do presidente (transmitida pelos mesmos institutos de pesquisa que, no segundo turno de 2018, previram a vitória petista) e, acima de tudo, no poder da grande mídia, TV Globo à frente.

Tenho a impressão de que nunca, pelo menos a partir do momento em que as sessões da corte passaram a receber cobertura mais intensa da televisão, notadamente desde o julgamento do mensalão de Lula, nunca tivemos um STF tão medíocre, no pior sentido. Um a um, a começar do lamentável decano, nenhum de seus onze integrantes deixará o nome marcado de forma positiva na história da magistratura nacional.

São todos a face tenebrosa de seus criadores, aqueles presidentes que os nomearam e cujos governos conseguiram a façanha de destruir em três décadas os sonhos inspirados pela redemocratização do país.

Indaiá, a Santos do poeta

Martins Fontes

Não se te apague da memória
Peço-te, flor,
O ingênuo sonho, a doce história
Do nosso amor.

Juro que nunca, em toda a vida,
A esquecerei.
Foste a mais bela e a mais querida
Mulher que amei.

Lembras-te? Dentre pitangueiras,
Dentre araçás,
Roseiras bravas e murteiras,
E manacás.

O nosso rancho se escondia,
Sobre o jundu,
Na ensolarada calmaria
Do Indaiaçu.

Ao longe, a praia, ampla e discreta,
Branca também.
Pelo mistério da hora quieta,
Ninguém, ninguém.

Tudo encantava a nossa vista,
Com o claro tom.
Tudo tão simples, tão santista,
Isto é, tão bom!

De légua em légua, umas canoas,
Sob os sapés,
Tendo, nas popas e nas proas,
Os picarés.

De malhas finas e compridas,
Em aranhol,
Redes de arrasto, distendidas,
Secando ao sol.

Bancos de pedra… Dos dois lados,
Frescos frutais,
Cheios de jambos perfumados,
E sem rivais.

Era abundante, nas encostas,
O cambucá.
E abios de que tanto gostas,
Só no Indaiá!

Coberta de hera, no caminho,
Jardim-vergel,
O nosso pouso, o nosso ninho
Caramanchel.

Sonhava a nossa intimidade,
Florindo, então!
Ah! que lembrança, ai, que saudade
No coração!

Foi nesta enseada predileta
Cheia de ingá,
Que um pescador, um grande poeta
Fez o Indaiá.

Gratos, recordas-te? – em surdina,
Líamos, flor,
Essa encantante e feminina
Rosa de Amor.

E repousavas nos meus braços,
Quase a dormir…
E me faziam teus cansaços
Sempre sorrir…

Nada turbava a doce calma
Desse ardor,
Que era, por nunca haver viv’alma,
Ainda melhor.

Semeando estrelas pela areia,
Vidrilhos no ar,
Balão aceso, a lua cheia
Prateava o mar.

Oh luar das nossas madrugadas,
Dizei, dizei,
Aos noivos, como às namoradas,
Quanto eu chorei!

E tu partiste, e tu partiste,
Tudo findou.
Um remador bondoso e triste
É o que hoje sou.

Só vinte dias tu ficaste
Comigo aqui,
Porém, depois que te ausentaste,
Não mais te vi.

Desencantado, ou sem engano
Consolador,
As horas passo olhando o oceano:
Contemplo a dor.

Martins Fontes nasceu e morreu em Santos (23 de junho de 1884, 25 de junho de 1937).

Mensagem que certamente não terá resposta da Globo

Senhores,

Há muitos anos sou assinante dos canais pagos do sistema Globo de televisão. Das TVs por assinatura, sou três vezes assinante, em São Paulo, Itupeva e Santos. Igualmente há bem mais de uma década, tenho duas assinaturas (São Paulo e Itupeva) dos canais Première, que transmitem ao vivo os jogos dos campeonatos paulista e brasileiro. Sou torcedor do Santos FC.

De uns tempos para cá, tenho o desprazer de perceber que os jogos do meu time são praticamente ignorados no canal aberto da Globo, que detém a exclusividade das transmissões dos dois campeonatos. Mais recentemente, também os canais SporTV passaram a excluir os jogos do Santos FC. Para ver o Peixe, vou regularmente à Vila Belmiro e ao Pacaembu. Para vê-lo em locais mais distantes, a opção foi assinar o Première.

Os canais SporTV chegam ao cúmulo de sequer reprisar o Santos. Torcedor gosta de ver seu time ao vivo, e também nas reprises. Esse prazer o sistema Globo não oferece aos assinantes santistas. Ao longo do ano, cansei de ver todos os times sendo reprisados, não uma, mas até dezenas de vezes em poucos dias, incluindo as partidas da segunda divisão. Do Peixe, nada!

Recentemente, descobri que o canal 221 Première costuma reprisar os jogos da semana. Nele, não seria possível excluir o Santos. Pelo menos, era nisso que eu ingenuamente acreditava. Até cair na real na última terça-feira, dia 09/12/2019. Da forma mais inacreditável, pude ver que até nos canais que o assinante paga diretamente para ver seu time, a Globo favorece algumas torcidas e desrespeita outras. No caso, a do Santos.

Domingo, não pude ir a Santos ver o último jogo do campeonato. Compromisso pessoal também me impediu de ver na TV. De madrugada, o jogo foi reprisado uma vez no Première, mas o sono me venceu. Não me incomodei e, a partir da segunda-feira, passei a procurar nova reprise. Mas o canal havia resolvido fazer justa homenagem ao time campeão brasileiro de 2019, reprisando em sequência todos os seus jogos. Tudo bem! Era só ter paciência e esperar pelo 38° jogo, o último, justamente o do Santos contra o Flamengo, na Vila Belmiro.

De vez em quando, eu ia ao 221 e conferia em que altura do campeonato estávamos. No fim da tarde daquela terça-feira, o jogo que estava passando era a goleada do Flamengo sobre o Goiás, o 37° do Brasileiro 2019. Em seguida, animei-me, viria a partida que eu tanto aguardava: Santos x Flamengo, na Vila. E era isso que anunciava o rodapé da tela da TV: depois de Flamengo e Goiás, viria Santos x Flamengo, encerrando o campeonato.

Apesar disso, o jogo que entrou foi Flamengo x Santos, o 19°, no Maracanã, no primeiro turno, que terminou com vitória apertada do time carioca. Sem acreditar no que estava vendo, voltei ao rodapé para conferir: Santos x Flamengo era o jogo que deveria estar sendo exibido. Por coincidência, a partida em que o Flamengo sofreu sua maior goleada: 4 a 0 para o Peixe.

Me senti um otário. Eu pago a assinatura para ser desrespeitado desse jeito pela emissora? Não só eu, mas todos os torcedores do Santos fomos desrespeitados. Mais ainda: todos os assinantes tiveram seus direitos fraudados pela emissora.

A atitude aparentemente banal significou muito mais, porém. Foi de fato uma desonestidade. A Globo sentiu-se no direito de reescrever a história do campeonato, ao eliminar de sua grade o jogo número 38 de Flamengo e Santos. Para ela, a goleada santista não aconteceu.

Como os senhores explicam essa vergonha? Duvido que consigam, pois não há explicação possível para uma atitude tão mesquinha e desonesta. Foi lamentável mesmo para os padrões da emissora, que acha normal torcer descaradamente por um clube, em detrimento dos demais, e escalar para a cobertura da final da Libertadores ex-jogadores ligados ao Flamengo e profissionais reconhecidamente torcedores do time carioca.

Esta mensagem é apenas um desabafo, pois não espero qualquer reconhecimento da parcialidade que orienta o trabalho de vocês. Só espero que esse monopólio daninho ao futebol brasileiro acabe em breve.

Atenciosamente,,

(Na verdade, fiz uma tentativa de enviar esta mensagem para a emissora. Não sei se consegui. apesar de todo o questionário que tive de responder)