Até bem pouco tempo, quando reproduziam notícia publicada por um concorrente, os veículos de informação tinham o cuidado de fazer antes sua própria checagem. E, além do crédito ao veículo que havia feito a revelação inicial – o “furo”, como dizem os jornalistas –, aplicavam sua chancela: a veracidade da informação foi confirmada por nossas fontes. Mesmo quando isso não era possível, a simples menção ao outro veículo conferia credibilidade à notícia. O público podia, então, achar que a imprensa estava trabalhando direito.
Ultimamente, porém, a mídia deixou de ter esses cuidados, ou passou a considerar que são desimportantes. Sem mais nem menos, começou a bombardear o público com um noticiário para lá de suspeito, atribuído a um site estrangeiro, que ofende e acusa autoridades brasileiras, sem esclarecer a origem e a veracidade do que publica. Terrorismo à parte, não se menciona a linha ideológica que conduz o “jornalismo” praticado pela organização e o viés partidário de sua atuação no Brasil. É claro que, se nada disso é levado em conta, que importância teria o fato de a sigla política de sua preferência estar cravada no próprio nome que escolheu para seu site? É surreal!
A reprodução dos supostos diálogos supostamente hackeados por supostos jornalistas chega a lembrar os esquetes das fofoqueiras, personagens obrigatórios nos antigos programas populares de humor da TV. Como “A praça é nossa” e “Escolinha do professor Raimundo”. Remete ainda mais à coluna “Mexericos da Candinha”, na extinta Revista do Rádio, nos anos 1960. As fofoqueiras dos humorísticos falavam de traições conjugais e de comportamentos sexuais considerados estranhos na época, com personagens fictícios em ambientes domésticos, no trabalho e nas relações entre vizinhos. Candinha tinha o mundo artístico como alvo, abordando questões semelhantes, mas seus personagens tinham carne e osso, embora nem sempre fossem identificados no texto.
Por isso, Candinha mais sugeria do que afirmava. Mais ou menos como faz hoje a organização criminosa internacional, divulgando pequenos trechos de gravações apócrifas, que atribui-a autoridades reais. É claro que não entrega o material para perícia e validação, mas até aí seria apenas delinquência a ser apurada pela polícia e apenada pela justiça. Mas imaginemos que as fofoqueiras da TV e a mexeriqueira da revista fossem colocadas nas bancadas dos telejornais para ler o noticiário sério. Qual o abalo na reputação do jornalismo dessas emissoras?
Pois a Folha colocou a Candinha para cuidar do seu noticiário político.
Durante o governo Dilma, a TV Globo foi procurada pela mesma organização criminosa, para ajudá-la a divulgar no Brasil o fruto de suas bisbilhotices nos serviços de inteligência norte-americanos. No conjunto da obra, havia um subproduto de menor importância, que interessou à emissora brasileira: a então presidente estaria sendo “escutada”. Não se conhecem os termos da parceria firmada na época.
Agora, sabendo que por si só não teria a menor credibilidade, os delinquentes voltaram a procurar Globo, oferecendo o suposto material contra Moro e a Lava Jato. A emissora percebeu que as situações eram semelhantes, mas muito diferentes, e fez algumas exigências naturais e pertinentes. Quis conhecer a íntegra do material, sua origem e a forma como foi obtido. Não atendida, declinou do convite. Daí que foi acusada pelo ex-parceiro de ter viés partidário e ser defensora da Lava Jato. Isso não a impediu a Globo de, divulgados trechos pinçados ou criados pela orcrim, também se servir gostosamente deles.
Firmado o acordo com a organização criminosa, a Folha passou a reproduzir o produto do crime somo se fosse seu. Se não teve respostas positivas aos questionamentos feitos pela Globo, é bastante provável que esteja apenas colocando em suas páginas um material que lhe é entregue pronto e acabado, e que não tem como checar. Isso não exime o jornal de responsabilidades penais, pois, como sua direção bem sabe, disseminar noticiário falso é crime.
A admissão de sua ombudsman de que as escutas podem ser ilegais reforça a impressão de que a Folha não sabe o que está publicando. N o mesmo sentido atuam os frequentes atos falhos de seus redatores, que chamam de “supostos” os diálogos distribuídos pelo cúmplice. É triste ver o jornal de Abramo, Dines e Rossi nessa situação.
Mas não se pode excluir a outra possibilidade. E se, de fato, a organização criminosa abriu todo o jogo para o parceiro brasileiro? E se, mais ainda, está compartilhando seus métodos de trabalho e conta com a ajuda de repórteres caboclos na obtenção ilegal do material? Isso significaria que a eventual participação do jornal no crime seria mais profunda. O que me faz lembrar de outra lambança histórica do jornalismo paulistano.
No início dos anos 1980, um jornalista carioca veio chefiar a reportagem do Estadão, trazido pelo então secretário de redação Miguel Jorge, futuro ministro de Lula. Arrogante, o rapaz logo entrou numa enrascada das grandes. Pelo telefone, conheceu um sujeito que se dizia em situação desesperadora, de tal forma que estava disposto a assaltar um banco, para resolver o problema.
O solerte viu ali a oportunidade de produzir uma reportagem testemunhal e participativa, como era moda na época. Combinou dia e horário e colocou uma dupla repórter/fotógrafo para acompanhar a aventura. Evidentemente, tudo acabou mal. O sujeito foi pego pela polícia e delatou os cúmplices, os profissionais do jornal, que tiveram de contar com a ajuda do secretário da Segurança Pública para escapar da treta. Detalhe: esse chefe de reportagem gabava-se do Prêmio Esso de Jornalismo que possuía. Assim como o chefe da orcrim é louvado pelos aliados da corrupção por um prêmio Pulitzer.
Então, para retomar a meada que me escapou ao lembrar do jornalista assaltante do Estadão, vejo na entrada da Folha no caso da ação criminosa contra autoridades brasileiras uma promissora linha de investigação. Se a organização criminosa resistir definitivamente em colaborar, a Polícia Federal poderia fazer uma visitinha ao pessoal da Barão de Limeira. Se também aí for impossível elucidar o crime, poderemos pelo menos saber se a Folha tem papel ativo na bisbilhotagem ou se, pelo contrário, seu papel é insignificante.
Algo como servir de barriga de aluguel para a organização criminosa depositar ali sua sujeira e ver nascer os monstrinhos do noticiário fake.