Martins Fontes
Não se te apague da memória
Peço-te, flor,
O ingênuo sonho, a doce história
Do nosso amor.
Juro que nunca, em toda a vida,
A esquecerei.
Foste a mais bela e a mais querida
Mulher que amei.
Lembras-te? Dentre pitangueiras,
Dentre araçás,
Roseiras bravas e murteiras,
E manacás.
O nosso rancho se escondia,
Sobre o jundu,
Na ensolarada calmaria
Do Indaiaçu.
Ao longe, a praia, ampla e discreta,
Branca também.
Pelo mistério da hora quieta,
Ninguém, ninguém.
Tudo encantava a nossa vista,
Com o claro tom.
Tudo tão simples, tão santista,
Isto é, tão bom!
De légua em légua, umas canoas,
Sob os sapés,
Tendo, nas popas e nas proas,
Os picarés.
De malhas finas e compridas,
Em aranhol,
Redes de arrasto, distendidas,
Secando ao sol.
Bancos de pedra… Dos dois lados,
Frescos frutais,
Cheios de jambos perfumados,
E sem rivais.
Era abundante, nas encostas,
O cambucá.
E abios de que tanto gostas,
Só no Indaiá!
Coberta de hera, no caminho,
Jardim-vergel,
O nosso pouso, o nosso ninho
Caramanchel.
Sonhava a nossa intimidade,
Florindo, então!
Ah! que lembrança, ai, que saudade
No coração!
Foi nesta enseada predileta
Cheia de ingá,
Que um pescador, um grande poeta
Fez o Indaiá.
Gratos, recordas-te? – em surdina,
Líamos, flor,
Essa encantante e feminina
Rosa de Amor.
E repousavas nos meus braços,
Quase a dormir…
E me faziam teus cansaços
Sempre sorrir…
Nada turbava a doce calma
Desse ardor,
Que era, por nunca haver viv’alma,
Ainda melhor.
Semeando estrelas pela areia,
Vidrilhos no ar,
Balão aceso, a lua cheia
Prateava o mar.
Oh luar das nossas madrugadas,
Dizei, dizei,
Aos noivos, como às namoradas,
Quanto eu chorei!
E tu partiste, e tu partiste,
Tudo findou.
Um remador bondoso e triste
É o que hoje sou.
Só vinte dias tu ficaste
Comigo aqui,
Porém, depois que te ausentaste,
Não mais te vi.
Desencantado, ou sem engano
Consolador,
As horas passo olhando o oceano:
Contemplo a dor.
Martins Fontes nasceu e morreu em Santos (23 de junho de 1884, 25 de junho de 1937).