Recebi um vídeo da querida Nair Suzuki, na semana passada. É um discurso do ex-presidente Barack Obama sobre eleição e democracia. Ele comenta o resultado da disputa presidencial norte-americana, no contexto da derrota de Hillary Clinton para Donald Trump. O momento era constrangedor para os democratas e penoso para o presidente, que não conseguiu fazer a sucessora. Obama estava sereno, porém.
São menos de dois minutos, que cabem todinhos no atual momento, no nosso contexto e nas circunstâncias em que transcorre a eleição brasileira. Há pelo menos duas passagens marcantes. Na primeira, Obama diz que, se derrotados, devemos seguir em frente, “com a presunção de boa fé em nosso povo”. Tal presunção, garante, é essencial para o funcionamento da democracia.
Por aqui, à direita e à esquerda, temos o hábito de culpar o eleitor – ou seja, o povo – por escolhas que julgamos erradas. Às vezes, lamentam os destros, são os nordestinos, pobres e pouco instruídos, que erram induzidos por gente que só tem olhos para as benesses do poder, os cargos nas estatais, as vantagens da Lei Rouanet. Outras vezes, vomitam os canhotos, é a classe média tonta que cai na conversa mole das elites econômicas, e vota em políticos interessados em perpetuar privilégios, a favor dos ricos e contra os pobres.
Na cabeça dos perdedores, de um lado e de outro, é impenetrável a ideia de que existe alguma sinceridade a orientar o voto popular e a dirigir o resultado das urnas. Os que se julgam perfilados com o “bem” acham inacreditável o eleitor preferir representantes do “mal”, naturalmente os seus adversários.
Nossos queridos derrotados nem temem o ridículo, quando difundem explicações para seus fracassos. A terceirização da culpa de forma recorrente aponta para o inocente cidadão, que apenas exerceu seu direito inalienável de escolher.
Essa imbecilidade quase sempre vem acompanhada de denúncias de fraude eleitoral e de queixas de golpe contra as instituições. Inconformismo total, a partir do qual decorrem incompreensão, preconceito, raiva e ódio, muito ódio, para despejar em conversas de botequim, posts, textos para a mídia, teses acadêmicas, discursos inflamados nas tribunas dos parlamentos.
É que essa gente, além do mais, descrê dos benefícios da alternância no poder. Um dirigente tucano chegou a prever, após a primeira eleição de FHC, uma permanência mínima de 24 anos (se bem me lembro) do PSDB no Palácio do Planalto. O reinado, porém, durou um terço do previsto. Já os sucessores petistas fizeram projeções ainda mais duradouras. Puseram fé, e talvez ainda ponham, na eternidade. O sonho acabou com Dilma, e Lula foi parar na cadeia.
Pessoalmente, desde minha primeira experiência de escolher um presidente, tenho alternado alegrias e decepções, sem deixar de acreditar que o voto é o grande instrumento da democracia. Quando Collor foi eleito, para desgosto de quem “oPTou” pelo “Lula-lá”, não senti na ressaca a sensação de fim de mundo. E achei o impeachment precipitado, por entender que errar faz parte do aprendizado do eleitor, tanto quando sofrer as consequências até o fim.
Hoje, não pressinto igualmente o fim do mundo, embora me sinta em situação ainda pior do que aquela de trinta anos atrás. Naquela eleição, opunham-se também dois polos, mas eu tinha uma esperança, quase certeza, de que existia um lado melhor para o País. Agora, não. As alternativas que restaram são igualmente funestas, pelo que representam de retrocesso no rumo do totalitarismo.
Uma opção remete ao passado tirânico e cruel, feito de sangue e da supressão dos direitos e garantias individuais. Além do que, pela carência de projeto do seu candidato, alimenta suspeitas sérias de ameaçar a democracia.
A outra conduz a um tempo que mal passou, e continua oprimindo os brasileiros com suas maléficas consequências sociais, políticas e econômicas. Obra das malas artes de uma facção determinada a não apenas recuperar o governo, mas a tomar o poder absoluto, no dizer de um de seus próceres. Não existe golpe mais anunciado.
É aí que entra o segundo trecho notável do discurso de Obama. No fim do vídeo, comparando a disputa político-eleitoral a uma corrida de revezamento, na qual se ganha e se perde, ele ensina: “Você pega o bastão e corre o melhor que puder, com a esperança de que, quando for a hora de passar o bastão, você esteja um pouco à frente, você teve progresso. Eu posso dizer que nós fizemos isso. Eu quero garantir que a passagem do bastão seja bem executada, porque acima de tudo estamos todos no mesmo time”.
Estamos todos no mesmo time. Por aqui, qualquer que seja o resultado das urnas do próximo domingo, vencedores e derrotados, nosso melhor destino será continuar correndo na mesma direção. Persistir na busca dos objetivos comuns de povo e nação. Seguir defendendo as mesmas cores.