A pegadinha sem originalidade da polarização

 

Desde que as urnas do primeiro turno me deixaram na condição de sem candidato para a rodada final da eleição presidencial, tenho pensado num filme de 1970, do diretor Mike Nichols, chamado Ardil 22 (Catch-22, no original). Depois, passado o segundo turno, achei que a maluquice ia terminar, mas parece que piorou.

Do lado bom da lembrança, veio o lançamento da Netflix, O método Kominsky, que nos traz o prazer de rever Alan Arkin em grande forma, ao lado de Michael Douglas. Mas voltemos ao panfleto de Nichols contra a insanidade das guerras. A história fala da conflagração do mundo entre 1939 e 1945, num episódio que envolve oficiais da aviação norte-americana baseados numa ilha do Mediterrâneo. O alvo de fato, entretanto, era a guerra do Vietnam, então mais sangrenta do que nunca.

O ardil do título é a regra segundo a qual só pode ser dispensado do combate quem alegar loucura. Para o código, porém, a maior prova de sanidade era justamente querer fugir da guerra. Então, não tinha jeito. “Deixa ver se entendi”, diz o aviador diante da resposta do médico ao seu pedido de baixa. “Para ser dispensado, eu tenho que estar louco. E eu preciso estar louco para continuar voando. Mas se eu pedir para ser dispensando, significa que não estou mais louco, e tenho que continuar voando?”

O Brasil de hoje, para quem não está numa das pontas da polarização bárbara vigente, virou uma pegadinha como a do filme. No segundo turno, de um lado e de outro, quem se sentia desconfortável para votar em um ou outro candidato era apoiador dos ladrões ou fazia o jogo dos fascistas. E tomava pau com a mesma virulência, a torto e a direita.

Agora, a luta ou a resistência continua. Um fala A e o outro respondeo Z. Não há a menor possibilidade para um J ou um S, na variedade do abecedário. Ou se está com o bem ou se está com o mal. O que o Z faz é inarredavelmente errado, na mesma proporção que Z acha absurdas todas as ideias que saiam do A. O país virou campo de batalha para duas seitas que se digladiam sem quartel (ops!).

Se correr… Quero descer desse bonde, mas será que o Ardil 22 deixa?

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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