Já sei, mas não ligo. Serei bolsonarista fascista, mesmo que no segundo turno de outubro tenha me mantido equidistante das duas tragédias reservadas à infeliz Sofia em que me transformei. Prensado entre tão tristes, e no fundo parecidas, opções, exerci o direito que William Styron não concedeu à personagem de Meryl Streep na tela. Votei em branco. Escolhi a não-escolha.
Tudo isto posto, venho dizer que nunca antes neste país um governo assume cercado de tão duros vaticínios. A partir do primeiro dia de 2019, segundo os arautos da hecatombe, o país entrará na mais profunda treva. Retrocederá cinco décadas até a ditadura militar, à tortura e ao aniquilamento físico dos adversários. Tudo porque “o mal venceu o bem”, e os perdedores não se conformam. Querem ganhar o “terceiro turno”.
E lembrar que, no início da campanha eleitoral, o diabo não parecia tão feio! Tanto que as esquerdas (Boulos, Haddad) preferiram bater no candidato tucano, enquanto a Alckmin encarava Bolsonaro sozinho. O picolé foi ejetado da disputa e rolou um frente a frente mamão com açúcar para os petistas, mesmo com a “traição” de Ciro e o vacilo de Marina. Imaginavam os inteligentezinhos, estar assegurada a vitória “dos que querem o bem e a felicidade de todos”, diante de tão tosco rival.
Bastava expor ao distinto e esclarecido público as terríveis faces do capitão: intolerante, reacionário, inimigo das políticas sociais, adepto da violência policial-militar, antifeminista, homofóbico, racista. Tudo enfim que só encontra paralelo em bater na própria mãe. Pelo menos, era o que calculavam os estrategistas de Lula, crentes de que postes ganham sempre. Não foi bem assim. A preferência pelo outro só fez aumentar e a gente boazinha ficou desesperada. Nem fake news nem apoio indisfarçado da mídia ajudaram. O capeta levou quase 60% dos votos.
Do estupor e da frustração – outros nomes do nojo do veredito popular – cresceu o ódio a aliados e adversários, e surgiram a “resistência” e o “ninguém larga a mão de ninguém!” Da insanidade e da raiva incontida foi um pulo até a hostilidade máxima ao novo governo, a implicância com os ministros e planos anunciados e o desejo de que tudo dê errado para Bolsonaro e os seus. De Moro à pastora, de Paulo Guedes ao astronauta, dos ministros militares à mulher, filhos e amigos do presidente, nada presta.
Como se não tivessem sido ministros de Lula e Dilma finórios da estirpe de Dirceu, Palocci, Mantega, o marido da Hoffman, a própria Gleisi e tantos aliados de rapina, à esquerda e à direita. Até Delfim, os Sarney, Collor, Renan e Maluf estiveram juntos, deram as mãos. Crendeuspai! Como se Bolsonaro não fosse ocupar o lugar que até há pouco foi de Lula e Dilma e, atualmente, de Temer, a sujíssima trindade dos 16 anos de governos petistas. Como se tantos outros filhos, primeiras damas e namorada não tenham cultivado malfeitos até maiores.
Não importa! Para os resistentes, que venha o tsunami, que nada sobreviva, que não reste pedra sobre pedra. Para os adoradores do amado guia, tão fanáticos quanto a ministra que viu Jesus na goiabeira, a redenção só virá com o Lula de Deus Livre e a reintrodução do quadrilhão no lugar do farsante. O que acontecerá, creem piamente, tanto mais se as tropas de Stédile e Boulos, da CUT e dos sindicatos pelegos não baixarem a guarda e mantiverem a militância pondo pra quebrar. Crendeuspai de novo!
Ocorre que não parece ser isso o que o povo quer. Se em outubro os eleitores deram um bico no fundilho do lulo-petismo, agora a maioria ainda mais expressiva de brasileiros quer acreditar que as coisas podem melhorar com o novo governo. Rejeita os agouros dos perdedores, quer poder curtir um pouco de otimismo. De acordo com o DataFolha, 65% dos entrevistados acham que a economia do país vai avançar, bem como sua própria situação pessoal (67%). São os indicadores mais favoráveis desde 1997.
Eu mantenho os pés atrás e prefiro ver para crer. Mas também não ponho lenha na fogueira da inquisição petista, como os três porquinhos de estrela vermelha na testa, que não conseguem ver, ler, escutar.