A greve geral e o novo peleguismo

Na desmilinguida manifestação recente contra a reforma da previdência, os movimentos ligados à esquerda voltaram a falar em “greve geral”. Então, falemos dessa farsa, que só existe na cabeça delirante dos profissionais que a comandam e na preguiça da imprensa em apurar a verdadeira extensão e espontaneidade das supostas paralisações decorrentes. Em geral ocorre não haver greve alguma, mas sim o fechamento de estradas por grupelhos de mal pagos, vandalismos diversos pelas cidades e o tradicional locaute dos transportes. Mas nossos jornalistas confiam cegamente nas suas fontes enviesadas e não vão à rua conferir as informações que lhes  caem no colo.

No caso do transporte urbano, os trabalhadores são usados como massa de manobra dos dirigentes sindicais e das empresas, que adoram esse tipo de “paralisação”. Com ela, podem depois demitir quantos e quem quiserem e a justiça aprovará o corte do ponto dos faltosos. Que patrão desejaria mais e melhor? Se fosse pouco, os empresários ainda dão uma cutucada nos poderes municipais e estaduais, com os quais conflitam. Quem perde são os trabalhadores do setor e a população, privada do seu direito à mobilidade.

Nas estradas, a mesma coisa. Transtornos a quem precisa se deslocar entre cidades para trabalhar, estudar, fazer negócios, transportar mercadorias, ir a hospitais e postos de saúde, visitar amigos e parentes ou, simplesmente, passear. Aconteceu outro dia na Anhanguera, quando meia dúzia de empregados de uma empresa privada bloqueou uma pista da rodovia. Isso com a complacência das autoridades e a cobertura da polícia. Não deve ser difícil identificar os caminhões que levam os pneus para queima e prender seus ocupantes e mandantes. Mas a polícia nada faz, embora conheça perfeitamente a logística desses atos.

Quando pesquisas revelavam a altíssima rejeição dos governos petistas e o grande apoio ao afastamento da ex-presidente, a intelectualidade apelidou de golpe o processo constitucional seguido no impeachment. Na época, desdenharam da vontade popular, alegando que a opinião pública é manipulada pela grande mídia, ou seja, pelos inimigos do povo. Depois, passaram a usar sondagens compradas de institutos que oferecem resultados ao gosto do freguês para justificar a organização e operação de crimes contra os brasileiros e o país. Na última “greve geral” que conseguiram plantar como tal na grande mídia, expoentes do fascismo-stalinismo (sim, o dragão de duas cabeças, ou dois rabos, existe!) profetizaram que o país iria parar.

Argumentavam que o povo não aceitava o governo de plantão, na época do aliado Temer, nem as reformas por ele propostas. Esqueceram-se de combinar com os russos, como falou Garrincha. Se não houve adesão ao movimento, então os trabalhadores estavam do lado oposto ao dos amigos dele?

Guilherme Boulos, profissional remunerado de movimentos encilhados, ditos sociais, e mais tarde figurante bufão na eleição presidencial do ano passado, comemorou “a maior greve geral dos últimos 30 anos no país”. É curioso, porque, em 2017, só uma categoria parou de fato, em alguns estados. Foi a dos trabalhadores em transportes urbanos, cujos sindicatos são controlados pelos novos pelegos das centrais sindicais. Aconteceram, ainda, paralisações localizadas e pontuais, como as que envolveram ínfimas minorias de professores e bancários, em alguns pontos do país.

Entre estas, a mais ridícula foi a que uniu direção, professores, pais e alunos de colégios da elite paulistana. Ah como é bom ser eternamente adolescente! Essa greve consentida e festiva guarda semelhança com a dos ônibus. A paralisação dos trabalhadores do transporte urbano também juntou conveniências: dos sindicalistas, basicamente político-ideológicas, e dos patrões, de viés econômico. Foi aquilo que a precisão jornalística manda chamar de locaute, e não de greve. Mas, em algumas circunstâncias, dane-se a precisão jornalística, não é mesmo?

Boulos, entretanto, sabia muito bem do que falava. A confusão que ele faz, misturando no mesmo saco paralisação do trabalho, manifestação de rua e vandalismo, é proposital. Tem o objetivo de gerar a ilusão de que a esquerda radical alcança seus propósitos. Para isso, conta com a covardia dos meios de comunicação, que chamou pelo nome errado o que aconteceu perto do 1º de Maio e o que se repetiu no ano seguinte, com os caminhoneiros. O que tivemos de fato foi mais uma demonstração do tipo de democracia que os radicais de direita e esquerda adotam, quando obtém o poder absoluto. Um dos nomes que a esquerda usa é centralismo democrático, o sistema em que cabe aos líderes iluminados decidir o que é melhor para todos. Outro nome é ditadura.

No dia anterior à greve geral que não houve, uma jovem me disse: “Sexta-feira, não vou trabalhar. Vou fazer piquete”. Estranhei, porque a empresa que a empregava tinha no máximo oito funcionários. Imaginei que ela iria bloquear a escada, para que seus companheiros não pudessem chegar à saleta que a empresa ocupava no primeiro andar. Por via das dúvidas, perguntei a ela o que significava fazer piquete: “Vou encontrar o pessoal na Paulista e lá a gente decide onde vai quebrar alguma coisa, queimar lixeiras, parar o trânsito, provocar a polícia… Essas coisas.” Entendi que, apesar de mal ter começado a menstruar, a moça sabia preparar um coquetel molotov.

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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