A triste ideologização da tragédia

Tenho um comunista velho conhecido, daqueles que comiam criancinha, o que ele talvez continue fazendo. Esta semana, quando se discutia a ajuda israelense no resgate das vítimas do desastre criminoso de Brumadinho, entre manifestações a favor e contra, eis o que meu sensível conhecido escreveu: “Judeu não sabe resgatar corpos. O que sabe é enterrar corpos de palestinos”. Se você procurava uma mensagem edificante, humana, e absolutamente oportuna, acabou de encontrar.

O ogrismo não espanta. Essa gente, tipos que se dizem de esquerda, são como aqueles que preferem perder um amigo para não perder a piada. No caso, preferem ostentar todo o ridículo de que são feitos para não perder a oportunidade de militar e obrar em favor de suas lamentáveis causas político-ideológicas. Não abandonam um milímetro a trincheira da heroica resistência em que se julgam fincados, sem largar a mão de nenhum companheiro ou camarada.

Mas estamos apenas no aquecimento da mais recente batalha da guerra partidária iniciada na última campanha presidencial. A tragédia mineira ainda renderá fortes condenações de autoridades passadas (FHC, o “criminoso” responsável pela privatização da ex-Vale do Rio Doce) e das atuais (o governo Bolsonaro, que não soube ou não saberá tomar as duras medidas para punir os criminosos e prevenir futuras tragédias).

Como sempre, o olhar esquerdista brasileiro, qualquer que seja a miséria nacional em análise, é absolutamente cego para o intervalo de 16 anos lulopetistas, que separam o curto período de Vale privatizada no governo tucano e o mal transcorrido mês de governo toscano (de tosco).

Pois é! A esquerda teve treze anos e três reeleições para impedir que a “sanha capitalista” da Vale transformasse a mineradora em ameaça mortal aos infelizes vizinhos de suas barragens. E, como em todos os casos que exigiram pulso firme e determinação, nada fez, com Lula e sua sucessora, do que agora cobra dos adversários. Mesmo que estes, por enquanto, enfrentem Brumadinho com mais espírito público, presteza e competência, do que Dilma demonstrou em Mariana.

 Duas sugestões

Se eu pudesse dar uma sugestão às autoridades, no caso Vale, daria logo duas.

  1. Sempre que acontecer tragédia como a de Brumadinho e assemelhadas, a Justiça nomeia rapidamente um pequeno comitê de especialistas, indicados pelo Ministério Público, pela Polícia Federal, por entidades de classe dos engenheiros e advogados e pelos ministérios da área. No total, uns cinco profissionais que logo no primeiro dia fazem uma estimativa dos prejuízos humanos, materiais. ambientais e institucionais e definem pesada multa a ser imediatamente paga pelos responsáveis. A ideia é inverter o processo: os criminosos pagam primeiro e depois vão pleitear eventuais restituições.
  2. Em cada atividade de risco, cria-se um grupo de peritos fornecidos e remunerados pelas próprias empresas da área, para cuidar da rotina da fiscalização. O ideal é que os peritos atuem nas empresas concorrentes, mas nada impede que fiscalizem seus próprios empregadores, pois terão estabilidade funcional e assinarão termos de conduta reconhecendo a própria responsabilidade criminal em casos de desastre. Um fundo financeiro mantido pelas empresas cobrirá todos os custos operacionais do trabalho.

É claro que essas duas medidas não excluem punições imediatas a pessoas físicas, como a prisão de CEOs, gestores, funcionários, parceiros externos e agentes públicos envolvidos na tragédia, nos moldes das propostas pela procuradora Rachel Dodge. Algo do gênero foi aplicado preliminarmente contra funcionários da Vale e da empresa terceirizada que atestou a segurança da barragem de Brumadinho.

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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