Fotos não mentem

 

 

Na campanha da reeleição de 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, aceitou o apoio de Paulo Maluf em troca da alguns outdoors da dupla na cidade de São Paulo. Detalhe sórdido, mesmo considerados os padrões da política brasileira: o adversário histórico disputava o governo do Estado contra Mario Covas, companheiro de partido de FHC e também candidato à reeleição.

Quase duas décadas depois, Lula levou Fernando Haddad, seu indicado a governador, à casa de Maluf. O ex-governador declarou apoio pessoal e de seu Partido Progressista ao petista e o encontro foi registrado em fotos fartamente divulgadas. Adversários em diversas campanhas eleitorais, Maluf e Lula protagonizaram algumas das maiores baixarias ao vivo na TV, mas apareciam felizes e sorridentes, como convém à hipocrisia dessa gente.

Haddad conseguiu ser ainda mais falso na campanha seguinte à Presidência. Compareceu à missa na Basílica de Nossa Senhora Aparecida ao lado da vice comunista Manuela D’Ávila, ambos ateus, e foi recebido com pompa e circunstância pela hierarquia católica local. Em outra missa, o petista comungou, para confirmar que candidato renega a mãe, se ganhar alguns votos com isso.

Fotos costumam ser devastadoras na política. Muitas vezes, servem a interesses momentâneos, mas podem virar inimigas quando resgatadas dos arquivos. Nesse sentido, algumas das mais chocantes foram tiradas em Paris, na noite de 14 de setembro de 2009, num hotel da Avenida Champs-Élysées. As cenas dispensam legendas. Reúnem destacadas autoridades cariocas da época, aliadas do PT, e empresários vinculados por contratos de serviços e obras ao governo do Rio.

Foi a chamada “farra dos guardanapos”. Seu personagem principal, governador Sérgio Cabral, está hoje preso, condenado a mais de 300 anos.

 

A pegadinha sem originalidade da polarização

 

Desde que as urnas do primeiro turno me deixaram na condição de sem candidato para a rodada final da eleição presidencial, tenho pensado num filme de 1970, do diretor Mike Nichols, chamado Ardil 22 (Catch-22, no original). Depois, passado o segundo turno, achei que a maluquice ia terminar, mas parece que piorou.

Do lado bom da lembrança, veio o lançamento da Netflix, O método Kominsky, que nos traz o prazer de rever Alan Arkin em grande forma, ao lado de Michael Douglas. Mas voltemos ao panfleto de Nichols contra a insanidade das guerras. A história fala da conflagração do mundo entre 1939 e 1945, num episódio que envolve oficiais da aviação norte-americana baseados numa ilha do Mediterrâneo. O alvo de fato, entretanto, era a guerra do Vietnam, então mais sangrenta do que nunca.

O ardil do título é a regra segundo a qual só pode ser dispensado do combate quem alegar loucura. Para o código, porém, a maior prova de sanidade era justamente querer fugir da guerra. Então, não tinha jeito. “Deixa ver se entendi”, diz o aviador diante da resposta do médico ao seu pedido de baixa. “Para ser dispensado, eu tenho que estar louco. E eu preciso estar louco para continuar voando. Mas se eu pedir para ser dispensando, significa que não estou mais louco, e tenho que continuar voando?”

O Brasil de hoje, para quem não está numa das pontas da polarização bárbara vigente, virou uma pegadinha como a do filme. No segundo turno, de um lado e de outro, quem se sentia desconfortável para votar em um ou outro candidato era apoiador dos ladrões ou fazia o jogo dos fascistas. E tomava pau com a mesma virulência, a torto e a direita.

Agora, a luta ou a resistência continua. Um fala A e o outro respondeo Z. Não há a menor possibilidade para um J ou um S, na variedade do abecedário. Ou se está com o bem ou se está com o mal. O que o Z faz é inarredavelmente errado, na mesma proporção que Z acha absurdas todas as ideias que saiam do A. O país virou campo de batalha para duas seitas que se digladiam sem quartel (ops!).

Se correr… Quero descer desse bonde, mas será que o Ardil 22 deixa?