Lembrei outro dia da excursão que o Santos fez em 1970 pelas Américas, com um time praticamente reserva, pois metade dos titulares estava com a seleção no México. A estreia aconteceu em 7 de maio, em Caracas, Venezuela, contra o Vitória de Setúbal, numa noite surreal.
A capital venezuelana estava sob greve geral e os estudantes ocupavam a Cidade Universitária, em cujo estádio se realizaria o jogo. As ruas no entorno estavam bloqueadas com galhos de árvores e, por toda a cidade, piquetes de trabalhadores impediam a circulação do transporte coletivo.
Orlando, Djalma Dias e Abel na excursão de 1970
Quando entramos na Cidade Universitária, fomos recebidos pelos estudantes com uma chuva de pedras. Pânico, todos se jogando no corredor do ônibus, cobertos de estilhaços de vidro. As janelas que sobraram foram em seguida quebradas a pau pelos rapazes, que nos cercavam.
Não houve feridos e, no meio da negociação que acabou assegurando a continuação da nossa viagem até o estádio, uma voz inconfundível e insistente se destacou do nosso lado: “Calma. Párem. Yo soy brasileño”. Era o zagueirão Ramos Delgado, tão apavorado quanto os companheiros.
Os portugueses do Setúbal receberam o mesmo tratamento mas, ao contrário do Santos, decidiram voltar ao hotel e fazer uma série de exigências para participar do jogo. Cobraram inclusive o pagamento antecipado de sua cota. Com tudo isso, o jogo atrasou mais de uma hora.
Quando finalmente entraram em campo, meio time exibia vistosas bandagens na cabeça, braços e pernas. Parecia um exército que chegava batido da guerra. Pura encenação, como pudemos ver a partir do momento em que o juiz apitou o início.
Os portugueses deram um baile e venceram por 3 a 1, com atuações impressionantes de dois negros. Um deles era o ponta-Jacinto João, que naquela noite estava mais endiabrado que o Garrincha e o Edu juntos.