CONVERSA COM O CAPITÃO (II)

Caro Zito,

Imagine se, vindo de Taubaté, no início dos anos 1950, você encontrasse pela frente alguns desses torcedores que dizem: “O Santos é dos santistas. O Santos é de Santos. Não precisa de gente de fora.” Você teria voltado para o seu Vale do Paraíba e logo estaria em qualquer outro time. Não teria escrito uma das mais belas histórias da história do Peixe. Felizmente, aconteceu o contrário.

Você foi bem recebido, enturmou-se rapidamente com o elenco praiano e acostumou-se à cidade. Fez como o mineiro Formiga e associou-se ao clube o mais rápido possível. Anos depois, tornou-se o jogador mais importante do futebol brasileiro, como não canso de dizer, jogando ao lado do melhor jogador do mundo, no mais fantástico time que já se viu. Os provincianos daquela época, se existissem, teriam feito um belo estrago, se o rejeitassem.

E olhe que, de fato, podiam-se formar seleções brasileiras de altíssimo nível, apenas com jogadores da região. Era só ir pegando Gilmar, Olavo, Alfredo, Pavão, os irmãos Valente, Gonçalo, Antoninho Fernandes, Del Vecchio, Odair, Cláudio Cristóvão do Pinho, o cabecinha de ouro Baltazar, o “filé de borboleta” Pagão, o canhão da Vila Pepe… Timaços!

Dava gosto ver os craques incríveis que brotavam na região, como brotam siris nas praias de Cananeia a Paraty, como se reproduzem caranguejos nos mangues do rio Cubatão e do canal da Bertioga, como crescem bananeiras nos contrafortes da Serra do Mar, do Vale do Ribeira ao Vale do Paraíba. Esses eram então os limites da Grande Santos. Para não ir longe, era só atravessar o Canal 2 e selecionar as preciosidades que o velho Papa cultivava no viveiro de Ulrico Mursa. Ou descobrir onde o itinerante Xabuca estava treinando naqueles dias.

A concorrência era enorme, Zito, mas como prescindir de você, do Hélvio Piteira, da experiência do Jair Rosa Pinto, do talento de Vasconcellos, e da turma que chegou depois – Dorval, Coutinho, Mengálvio, Mauro, Calvet, Lima, Dalmo, Geraldino, Carlos Alberto Torres, Cláudio Adão, Abel, Edu, Lyra, Juary, Batata, João Paulo, Dema – para se juntar aos talentos nativos – como o alagoano Clodoaldo, seu sucessor, Negreiros, Pita, Nenê e o senador Joel Camargo. Foi dessa mescla que nasceu e viveu o grande Santos. Você veio, viu e venceu, porque não encontrou um xenófobo pela frente. E, com você, o Peixe conquistou o mundo e uma legião de fãs por onde passou.

Foi assim, da mesma forma, que se fez a nossa torcida, a mais bonita de todas. Dessa comunhão de brasileiros e brasileiras de todos os cantos, alimentada por insondável paixão. Que cresce movida por certezas que não se explicam, apenas existem para nos fazer rir e chorar. Que nos veste com a mesma bandeira imortal, disfarçados de operários do porto, executivos da Avenida Paulista, surfistas e pescadores do imenso e belo litoral brasileiro, caipiras do nosso rico hinterland, estudantes e anciões, trabalhadores da cidade e do campo, camioneirose portuários, homens e mulheres de todos os lugares. Médicos como o Dr. Táki Cordás, artistas como Chorão e Zeca Baleiro, jornalistas como a Bia Andrade, que você conhece, Zito, e também o admira.

(continua)

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *