Palavra de Rei: ele sou eu!

Foi mais ou menos por esta época. Minutos finais de Santos e Guarani, na Vila, no início do ano mágico de 2002. Mágico? Quem sabe das coisas entende. O repórter de campo da TV anuncia uma substituição no Santos e a câmara mostra o magrela saltitante na beira do gramado. Não é possível! A semelhança só pode nascer da minha enorme vontade de ver algo pelo menos parecido em campo. Do nosso lado, do lado branco, é claro.

O juiz custa a autorizar a mudança, de modo que a TV pode mostrar um pouco mais o garoto, quase criança, olhar ansioso acompanhando a trajetória da bola.

Foi a primeira vez que vi Robinho. Nos minutos seguintes, quem estava ansioso era eu. Havia algo ainda mais inebriante a formar, tornar inescapável até, a comparação herética. Não é possível! As mesmas passadas rápidas, a disparada com a bola em direção ao adversário, o drible vertical, sempre no rumo do gol. Mas o jogo acabou cedo demais para outras constatações.

Dias depois, a imagem repetida na mesma Vila Belmiro. Santos versus São Paulo perto do fim. Por duas vezes, estivemos à frente no placar. Por duas vezes, o atacante tricolor França foi lá e empatou. O Santos parece sem forças de continuar buscando a vitória, quando Robinho entra de novo no gramado, com a mesma sem-cerimônia, o mesmo futebol abusado.

Tempo regulamentar esgotado, lá vai ele pela esquerda, da linha lateral em direção à área. Beletti, o defensor são-paulino, pensa que vai tomar o drible pela direita, mas toma pelo outro lado. Vencido, passa a rasteira e se garante ainda mais agarrando o serelepe pela cintura. O importante do lance acaba aí, com os dois jogadores rolando na grama. Depois, Diego cobrará a falta e o zagueiro Preto desviará de cabeça, deslocando o goleiro Rogério Ceni e assinalando a nossa vitória. Nada relevante. Apenas mais um gol, apenas outra vitória.

Eu estava maravilhado com o drible, e a imagem do raio não me saía da cabeça. Liguei o computador e escrevi aos amigos do grupo virtual: parece que o raio caiu de novo no mesmo lugar. No total, na soma das duas partidas, haviam sido uns 15 minutos de Robinho em campo, mas não tive dúvidas em apostar: temos um pelezinho.

O veredito seria repetido, meses depois, na maravilhosa crônica do colorado Luís Fernando Veríssimo sobre a nossa conquista do campeonato brasileiro. “Parem as buscas”, decretou o escritor gaúcho. “O sucessor já foi encontrado, na mesma Vila Belmiro.” Veríssimo também citou o raio e usou como definitivo o vaticínio feito pelo próprio Pelé, anos antes, ao cruzar com o adolescente Robinho no CT do Peixe: “Ele sou eu”.

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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