O sublime por linhas tortas

Manga, Hélvio e Ivan; Ramiro, Formiga e Zito; Alfredinho, Álvaro, Pagão, Vasconcellos e Pepe. Na voz de Ernane Franco, pelas ondas da Rádio Atlântica de Santos, nas tardes de domingo, isso era pura poesia. Versos como nenhum santista cantou antes ou depois. E olha que temos, nascidos entre o mar e a serra, os melhores poetas, de Vicente de Carvalho e Martins Fontes à turma do Charlie Brown Jr, a Renato Teixeira e Lúcio Cardim.

Na numeração, a sequência de 1 a 11 é que me intrigava. Um do goleiro Manga, ok. Mas depois vinham Hélvio com a 2, jogando pelo meio da defesa, ao lado do Formiga, o número 6, chamado na época de quarto-zagueiro. O 3, Ivan, jogava pela esquerda, e o 4 Ramiro do outro lado, pela direita. O 5 era Zito, nosso líder, hoje chamado médio volante. Só muito mais tarde vim a entender essa lógica, que nenhum desvairado venha a querer contrariar.

Depois, a coisa seguia, digamos, linearmente. O 7 do Alfredinho (ponta direita), o 8 do Álvaro (meia direita), o 9 do Pagão (centroavante), o 10 do Vasconcellos (meia esquerda ou ponta de lança) e o 11 do Pepe (ponta esquerda). Mas aí o inesperado vinha da bola que essa turma jogava. Este ataque, depois com Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, viraria definitivamente o estado da arte, em todas as suas manifestações. Ora música, ora balé, ora pintura, como os gols de Pelé e Neymar.

Almas simples preferem times numerados iguais as casas das ruas normais, pares à direita, ímpares à esquerda, previsíveis como uma bomba do Pepe, o nosso canhão. Sem surpresas, sempre de acordo com o esperado, porque nunca tais almas, as simplórias, puderam exclamar “oh”, ante um drible de Pagão, Dorval ou Edu. Um passe improvável de Mengálvio ou Coutinho. A classe extra de Mauro e Joel Camargo.

Santistas, ao contrário, somos sofisticados. Nossa defesa vai de 1, 4, 2, 6, 3 e 5, e assim se fez imortal, como as linhas dos 100 gols, o trio PPP, o ataque mágico dos quatro negros e um branquelo. A retaguarda que às vezes tomava três, para ajudar nossa dianteira a fazer cinco, seis, sete, oito, nove, dez. Amém!

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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