Por estes dias, procurando preencher a grade da programação esportiva, um canal de televisão reapresentou o filme Pelé Eterno, de Aníbal Massaíni Neto, lançado em 2004. Na época, escrevi uma crítica para um blog santista e agora, também por falta de temas atuais, volto ao assunto.
No cartaz do filme e com o pai Dondinho, na Vila
Os gols estão lá, em grande quantidade. Alguns inéditos, como os de um esquecido torneio vencido pelo Santos em Nova York, 1966, logo após o fracasso da seleção brasileira no mundial da Inglaterra, com goleadas de 4 sobre Benfica (praticamente a seleção portuguesa que nos surrou na Copa) e Inter de Milão. Tem até os dois gols antológicos que se perderam, como aquele que concluiu uma sucessão de chapéus sobre quatro juventinos, na distante Rua Javari do final dos anos 1950. Este, reproduzido com os recursos da computação gráfica, dá uma boa ideia do que foi a jogada, da qual resta hoje a foto de um dos irmãos Herrera (Rafael? Paco? José?) e raríssimas testemunhas.
Está lá, também, o famoso gol de placa no Maracanã, início dos anos 1960, fechando a goleada sobre o Fluminense, estranhamente surrupiado do vídeo quase integral da partida ainda existente. Neste caso, a recriação contou com a participação de atores, em cenas que se fundem às imagens reais e tentam refazer o percurso do craque e da bola, desde a zona defensiva do seu time até o fundo das redes adversárias. Mas aqui o resultado não é tão bom. Vale pelo registro, como a dizer que aquele momento mágico do futebol realmente aconteceu. Não foi uma simples fantasia perpetuada no bronze.
Não faltam, ainda, as jogadas fabulosas, mesmo quando não resultaram em alguns dos 1.200 e tantos gols, e registram-se praticamente todos os grandes momentos do biografado, em campo ou fora dele. Festas, homenagens, honrarias e condecorações; encontros com as maiores autoridades mundiais, do Papa a presidentes norte-americanos, reis e rainhas. Da guerra interrompida na África a incidentes meramente pitorescos, como o do juiz que ousou expulsá-lo de campo na Colômbia e acabou expulso pelo público.
Fica-se sabendo que o jogador falava enquanto dormia e que o monólogo noturno frequentemente terminava em escandalosos gritos de gol, interrompendo o sono dos companheiros de pensão. Nesse capítulo, surge o ponta Dorval, num dos depoimentos mais divertidos das duas horas de projeção: “O negão já ia marcando antes de entrar em campo”, diz, mais ou menos. De passagem, fala-se das famílias do Rei (com ênfase no clã formado por Dona Celeste e Dondinho, mas não deixando de mencionar as duas filhas fora dos casamentos e as inúmeras namoradas) e, só para constar, dos seus insucessos no terreno empresarial.
Na minha opinião, nem era preciso enveredar por este último campo. Se a intenção era fazer a documentação definitiva do Pelé Eterno, a história poderia terminar naquela noite de 1974, na Vila, em que o jogador ajoelhou-se no centro do gramado e disse adeus ao Santos. A partir daí, entra em cena o empresário. Este, embora não se possa dizer que tenha sido um fracasso (afinal, fez o Pelé de terno e gravata ganhar mais dinheiro do que o seu xará de chuteiras), está bem longe de merecer as mesmas reverências.
Admitindo-se, então, que haja apenas esse pequeno excesso e aceitando-se que a genialidade do jogador esteja mais do que suficientemente demonstrada no turbilhão alucinante de gols e jogadas indescritíveis (para enterrar de vez quaisquer tentativas de comparações), o que falta ao Pelé eterno para me satisfazer? Há, principalmente, motivos de ordem pessoal para a minha insatisfação com o filme. O principal é que tive a felicidade de acompanhar muito de perto toda a carreira do Rei, desde o seu nascimento para o futebol até as consagrações do milésimo gol e do tricampeonato mundial no México.
Muitos daqueles gols e lances eu vi com meus próprios olhos, a quente, no momento em que aconteceram. Então, por esse lado, o filme não me surpreende. É demasiado frio. Ao vivo nas arquibancadas ou nas imagens precárias da TV da época, minha emoção foi muito maior.