A máfia de 2005 não foi a do apito

Por estes dias, há 15 anos, começava a se desenrolar uma das maiores farsas já vistas no futebol brasileiro. Foi o escândalo da chamada “máfia do apito”, investigado e rapidamente esclarecido pela polícia paulista. Com o trabalho policial encerrado, o caso chegou à capa da revista Veja em setembro de 2005. E só então, com as interferências de Luiz Sveiter, presidente do STJD na época, e da TV Globo, pela voz de Galvão Bueno, as falcatruas viraram de fato um escândalo.

Para o futebol, as consequências mais perniciosas foram a anulação indevida de pelo menos oito partidas do campeonato brasileiro de 2005 e o favorecimento ao Corinthians, que levou o título com a recuperação de pontos perdidos nos jogos originais. Note-se que o time campeão não foi prejudicado em qualquer dos onze jogos colocados sob suspeita, de acordo com a investigação policial.

A história tinha como personagens centrais o árbitro Edílson Pereira de Carvalho e um agenciador de apelido Gibão, apresentado como empresário, mas que de verdade não passava de um picareta. Em suma, dois espertinhos, que se associaram para faturar uns trocados em apostas pela internet. De Edílson, cinco meses de escutas e interrogatórios traçaram o perfil de um pequeno meliante.

Maiores do que suas pequenas contribuições para a adulteração de poucos jogos, tudo confessado em detalhes para a polícia, seus golpes mais notáveis foram a falsificação de um diploma colegial de segundo grau e a obtenção de um atestado de ocupação forjado. Coisas de bandido pés-de-chinelo, mas foi com esses documentos que Edílson pôde ingressar no quadro de árbitros da Federação Paulista de Futebol e subir rapidamente na carreira.

Seu comparsa também estava distante da figura de um “poderoso chefão”. Ex-kartista absolutamente desconhecido no meio automobilístico, fracassado em tentativa de se eleger vereador em Piracicaba, o “empresário” Gibão que emergiu das conversas telefônicas gravadas era quase uma piada. Um marquinhos valério do agenciamento de fundos para financiamento de apostas clandestinas.

A “quadrilha” era, pois, basicamente formada por dois pobres diabos, cuja parceria só poderia dar no que deu: uma lambança rapidamente detectada pelos donos das bancas de jogos. Quando Veja circulou com a denúncia, o esquema não mais funcionava, porque as partidas apitadas por Edílson haviam sido excluídas das apostas. Tempos depois, o inquérito policial foi arquivado, sem qualquer acusação contra o juiz, penalizado apenas com a exclusão da FPF.

Dos 11 jogos que apitou naquele campeonato, Edílson aceitou ou se ofereceu para interferir em cinco ou seis resultados. Na prática, teve atuação decisiva em metade destes jogos. Em dois, entrou premeditado em campo, mas nada pôde fazer. Em Caxias do Sul, chegou a inventar um pênalti perdido pelo Juventude local. O visitante Figueirense ganhou de 4 a 1, numa tarde em que “o Edmundo jogou muito”, como confessou.

Outro resultado que o juiz não conseguiu mudar, conforme combinado com Gibão, foi a goleada de 4 a 2 do Santos sobre o Corinthians. Na Vila Belmiro, Edílson só teve de esperar 20 segundos para perceber que sua missão seria impossível. Fulminante, o Peixe levou esse tempo para abrir o marcador e, comandado por Giovanni, manter o controle da partida até o fim. Vê-se que Edílson não era, assim, um Márcio Resende de Freitas.

Mesmo nos jogos em que admitiu ter modificado o resultado, suas atuações não foram tão escandalosamente parciais. Cometeu erros dentro da média da arbitragem brasileira, inclusive em prejuízo de times que supostamente deveria beneficiar. Nunca foi punido pela CBF e nem as mesas redondas dos domingos duvidaram de sua honestidade, apesar da liberdade com que discutem a honra alheia. Não fossem as escutas policiais, a capa de Veja e a confissão, talvez tivesse recebido da mídia o prêmio de apitador do ano.

Esse é o modus operandi da máfia verdadeira. Só em último caso, ela forja situações. Na maioria das vezes, basta manipular os acontecimentos em favor de seus interesses. No Brasileirão de 2005, a reportagem assinada por André Rizek, hoje apresentador do canal SporTV da Globo, e publicada na Veja em 24 de setembro, foi o pretexto usado.

No mesmo fim de semana da divulgação do caso, Sveiter anunciou a formação de uma comissão para analisar uma a uma as onze partidas apitadas pelo juiz, e tomar decisões pontuais. Mas voltou atrás dois dias depois, quando Galvão Bueno exigiu a anulação de todas as partidas. O presidente do STJD obedeceu e colocou o título no colo do Corinthians.

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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