Tudo dentro da normalidade

Há onze dias, em 6 de abril, comentaristas da mídia, pensadores e próceres de vários poderes e níveis deram o governo Bolsonaro por morto e enterrado. Foi aquela segunda-feira tensa, em que o jornal O Globo anunciou a demissão do ministro da Saúde. O afastamento de Mandetta não se confirmou e a desculpa que a oposição encontrou para explicar a barriga foi dizer que o presidente havia recuado, sob pressão dos presidentes da Câmara e do Senado e do STF, de instituições da sociedade civil e de militares do próprio Palácio.

Se destituísse o ministro, seria ele a cair, diziam as ameaças enviadas pelo Congresso e pelo Supremo. Completando a articulação, o lamentável presidente da OAB ameaçava entrar com mais uma ação contra o presidente. A TV Globo e seus analistas vibraram, comemorando a suposta fragilidade de Bolsonaro. O ministro resistente o havia transformado em rainha da Inglaterra. Continuava no cargo, mas não tinha poder. A guerra estava ganha.

A felicidade era tanta que o pessoal se descuidou. Ninguém prestou atenção aos movimentos seguintes de Bolsonaro. Nada por baixo do pano, com exceção de prováveis consultas às lideranças da Forças Armadas. Vários contatos físicos com a população, pelo menos um deles ao lado do ministro da Saúde, encontro com o presidente do Senado e o anúncio de que, se fosse preciso, usaria a caneta. Naquele domingo foi ao ar a entrevista de Mandetta ao Fantástico.

Insuflado por companheiros de partido, sedentos de um impeachment que abra caminho para Botafogo (codinome de Maia, na planilha de propinas da Odebrecht), e envaidecido com o apoio da mídia e de insondáveis pesquisas de opinião, o ministro pagou para ver. A resposta veio quatro dias depois. No momento em que foi demitido, o sucessor Teich já esperava na antessala, pronto para assumir e acompanhar o presidente na coletiva de imprensa.

No dia da vendeta, Bolsonaro ainda afrontou a Globo com uma entrevista exclusiva concedida à concorrente CNN, pouco antes do JN. De quebra, aproveitou o espaço para espicaçar Rodrigo Maia. Na crítica mais amena, disse que o povo brasileiro não merece o que o presidente da Câmara está fazendo. Com tanto desaforo, esperava-se uma edição sangrenta do principal telejornal da emissora hegemônica, tipo versão eletrônica do extinto Notícias Populares. Não foi o que aconteceu. O JN daquela noite foi manso, quase irreconhecível. Esteve perto da isenção, qualidade que há muito desconhece.

O próprio Maia, entrevistado em seguida pela CNN, fugiu da raia. Disse que não iria discutir com o presidente e que preferia falar do que o Congresso tem feito para enfrentar a pandemia, muito em parceria com o governo. Perdeu a Globo a possibilidade de responder à caneta (bola entre as pernas) que levou da emissora concorrente, sem passar recibo. Era só chamar o sempre disponível presidente da Câmara para rebater Bolsonaro. O aliado, porém, recusou o confronto.

Tem-se que as reações à troca no Ministério da Saúde foram protocolares. No geral, representantes da chamada esquerda incluídos, lamentaram a demissão de Mandetta, mas desejaram sucesso ao novo ministro. Até o governador paulista, tão belicoso, preferiu a cautela. O que teria acontecido? Foi só a palavra de Gilmar Mendes, na véspera, afirmando que o presidente podia demitir o ministro. Ou houve algum recado mais claro e explícito, recebido talvez por Alcolumbre na reunião do Palácio? Fato é que mesmo a tropa de choque do STF, tão pressurosa em criar dificuldades para o governo, segurou as caçarolas.

A demissão virou um ato banal, como deve ser. Saiu um ministro indicado pelo presidente e entrou outro, nomeado pelo mesmo presidente. Sem crise, sem traumas, de forma que Bolsonaro recuperou o poder, se é que havia perdido. Só fique muito claro que estas análises são feitas a partir do que leio e ouço na grande mídia, sem juízo de valor sobre acerto e erro na mudança. Antes que me chamem de bolsonarista ou coisa pior.

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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