Um foca na epopeia do milésimo

 

Ag. O Globo

O milésimo gol coincide com o início de minha carreira de jornalista. Entrei na Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de Santos no começo daquele ano, 1969. Trabalhava no porto e, em julho, graças ao prestígio de meu irmão Ouhydes Fonseca, fiz um curto estágio noturno em A Tribuna. Uma noite acompanhava o repórter de polícia e, na noite seguinte, fazia a ronda dos eventos com o repórter social. Acho que agradei, pois no início de agosto estava contratado para a reportagem geral.

Logo de cara fui escalado para cobrir a posse tardia do interventor militar em Santos. Nomeado em dezembro, na rebarba do AI-5, para ocupar o lugar do prefeito eleito, Esmeraldo Taquínio, cassado pela ditadura, o general que vivia no Rio mandou um ajudante de ordens tomar conta da cidade. Só oito meses depois foi assumir o cargo.

Eu faria o factual da cerimônia de posse, enquanto o colega Antônio Tadeu Afonso, mais experiente, entrevistaria o interventor e faria os bastidores políticos. Informado de que o general não falaria com a imprensa, Tadeu voltou indignado para a redação e eu fiquei sozinho, cuidando da principal cobertura do dia. Era repórter há menos de uma semana.

Mas o meu interesse era trabalhar no esporte e, tão logo surgiu uma vaga na editoria, em outubro, já estava transferido, a pedido do editor de esportes. Dez de outubro, no Pacaembu, acompanhei o saudoso Ary Fortes, e cobri meu primeiro Corinthians e Santos.

Noite duplamente trágica. No intervalo, o serviço de som do estádio anunciou a captura e morte de Carlos Marighela pelas forças da repressão, não muito longe dali, na Alameda Casa Branca. E o Peixe perdeu de 4 a 0. Começava então o único período da vida em que não torci pelo meu time.

Procurei ser tão isento no trabalho que, em dois anos, fui expulso da Vila pela diretoria da época. Semanas depois, embora mantido pelo jornal como setorista do Santos, preferi mudar o rumo de minha carreira. Abandonei o jornalismo esportivo e voltei a ser Peixe.

O jogo daquela noite fazia parte do planejamento do jornal para o cobertura do milésimo gol do Rei, cuja contagem regressiva avançava rapidamente. Por conta da efeméride, acompanhei o Santos no Maracanã (goleada sobre o Flamengo), em Recife e em Salvador. Entretanto, quando o time voltou ao Rio para enfrentar o Vasco, o jornal preferiu não mandar sua equipe de jornalistas, por economia.

Foi a noite do milésimo, do vamos olhar pelas criancinhas, do love, love, love do Caetano, e de uma história que o mundo conhece.

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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