Ainda bem que acaba logo, disse Ana Maria Géia. Talvez amanhã, no máximo antes dos finados. Amém, rogo eu, porque aqui em casa e nas proximidades a polarização pegou pesada. Como em toda parte, acho.
Só Nina e Chico, os poodles, não se envolveram. Continuaram brigando pelo lugar ao meu lado na poltrona do vovô, na santa paz dos justos o resto do tempo. Por falar nisso, o netinho Bento, do alto dos seus dois anos e meio, nem deu bola: preferiu continuar consertando bicicletas, brincando de Batman e vendo a Luna.
Entre os demais, jogo duro. Tipo casa de palmeirense e corintiano, sejam quais forem seus gêneros, e ainda mais quando algum “intrusal”, forma a dupla de mais de dois e invade o campo. Aí, a compreensão falece e a intolerância prevalece.
De fato, foi um período triste. Noite dessas, jantando com amigos, a mulher temperava cuidadosamente a salada, quando o marido fez um comentário sobre a quantidade de sal que ela despejava nas folhas. Falávamos de amenidades, mas a observação entornou o caldo, acendeu o estopim da ira, partidarizou irremediavelmente o menu.
“O que você tem contra o sal? Pior é o açúcar, que você consome em doses cavalares. E aquelas ridículas jujubas coloridas e cafonas, que você esconde em casa… Pensa que eu não sei? Não admira que esteja gordo feito um porco!”
Impossível o restaurante não ouvir o edificante diálogo. A nutricionista da mesa vizinha, como ainda chocada explicaria depois, tentou conciliar. “Sal, açúcar… Vejam bem…” De certa forma, conseguiu unir o casal. “Alguém pediu a tua opinião?”, perguntou cavalheirescamente o marido. “Meta-se com a sua vida“, reforçou com sua melhor fofura a adoradora do sal.
Aproveitando o gancho das jujubas coloridas e cafonas, fiz uma piada sobre o artista Romero Britto, mas ninguém riu. Novidade nenhuma. Sou tão ruim de piada que a Daysi e as meninas às vezes choram, e tenho de explicar palavra por palavra. Entre elas, ganhei o apelido de stand-up comedy sem graça.
Nesse clima, fomos do prato principal ao cafezinho, passando pela sobremesa, que o gordo, só de birra, fez questão de pedir.
O ar ficou irrespirável, como o Torero jamais descreveria. A comida desceu mal, o vinho avinagrou e as pessoas não mais tiraram os olhos da gente. Aliviados saímos do restaurante e nos despedimos deles. Que, adicione-se, voltaram para casa cada um no próprio Uber.
Aqui na família, pelo menos teve voto pra todo candidato e partido. Democraticamente. Consta que Eymael foi sufragado por uma prima muito cristã, morta de pena ao ver o nanico sem tempo na TV e excluído dos debates. Pode-se chamar de “voto piedoso”, pois é com ele que a beata espera ganhar o paraíso.
Só os muito avarentos como eu (avarento ou fascista, como fui meigamente xingado por uns, em contraposição ao ladrão virtualmente escrito nas metafóricas pedras tacadas furibundamente pelos outros), só esses sovinas, dizia, regatearam o voto e tentaram cair fora da cruzada do bem contra o mal. Tolos! Nem assim ficamos imunes. No meio do fogo cruzado, mas com amor e ternura, viramos ratos covardes, na unanimidade dos contendores.
Mas agora, no máximo até os feriados de novembro, as coisas voltarão ao normal. Tudo entrará nos trilhos. O bom é que o país não ficará melhor ou pior com qualquer um dos dois no Alvorada. Mesmo porque (não resisto à maldade), como piorar o que foi feito com tanto capricho nos últimos 16 anos de governos petistas?
E, além disso, voltará a possibilidade de uma pizza com os amigos. De um cineminha, de uma pelada no clube, quem sabe de um fim de semana na pousada da praia, como fazíamos antes do grande cisma. Pensando bem, pode rolar até namoro.
Antes que alguém fale “Bolsonaro”, o abre-te sésamo da discórdia.