As flores e os espinhos

Pelé em 1957

Foram imensas as homenagens pela passagem dos 80 anos de vida do Pelé. Um porre gostoso, como os melhores porres. Eu mesmo perpetrei a minha homenagem, neste tãoSantista. E acrescentei a indefectível foto com Pelé 10. Por falar nisso, as fotos brotaram feito maria-sem-vergonha no meu quintal. Deu a impressão de que todo brasileiro foi fotografado ao lado do Rei.

O feito lembra o público declarado daquele Juventus x Santos de 50 anos atrás, na Rua Javari, Mooca, São Paulo. Naquele dia, o Rei marcou o gol que considera o mais bonito da sua carreira. O gol da fieira de chapéus sobre quatro defensores juventinos, entre eles, e derradeiro, o goleiro Mão de Onça. O único registro do lance é a foto histórica de Rafael Dias Herreira, de A Tribuna. O jogo não foi gravado em filme e o VT é posterior.

Entretanto, talvez não seja preciso mais do que o clic do grande fotógrafo santista, tanto quanto foi desnecessária a recriação eletrônica feita pela equipe técnica do filme Pelé Eterno. Pois as imagens do moleque de branco passando como Pantera Negra sobre a zaga grená estão bem vivas na retina e na mente do público extraordinário que teria ultrapassado em pelo menos 100 vezes os quatro mil lugares do velho campo.

Inacreditável? Eu, pelo menos, ainda não encontrei um amante do futebol com idade suficiente que não declare presença na icônica partida. Por isso, faço o cálculo aleatoriamente, como um míssil do nosso Marinho. Assim sendo, trata-se de imbatível recorde mundial, consideradas todas as competições, até finais olímpicas e decisões de mundiais de futebol, passadas e futuras.

Pelé é imbatível até nas lendas criadas em torno dele.

Mas não apenas flores, afagos e aplausos recebeu o Rei em seu aniversário. A data fez ressurgir também a ira que muitos lhe dedicam desde o episódio controverso do não reconhecimento de uma filha. A opinião pública, como sempre manipulada pela parte irrecuperável da mídia nacional, tendeu em parte a ficar ao lado da moça que, décadas depois, decidiu reclamar o amor do pai.

O caso, porém, por todo ângulo que se analise, dos sentimentos humanos ou religiosos à letra fria da lei, não comporta julgamentos finais implacáveis. Possivelmente, há acertos e equívocos dos dois lados. Um amigo que diz conhecer todo o processo assegura que o jogador (para mim, nunca será ex, porque parece estar entrando em campo agorinha mesmo) é o menos errado na história. Confio no Zé Guido, mas admito que possam haver outros entendimentos.

O que não aceito é a condenação moral definitiva, decretada por gente que se diz movida pelo mais genuíno espírito cristão. Nos últimos dias, li execrações inacreditáveis. Pelé seria um péssimo ser humano, indigno do tratamento de ídolo que recebe. Avessas ao espírito cristão de que se dizem possuídas, essas pessoas sentem-se em condição de lançar contra ele não só a primeira, mas dezenas de pedras, com ódio só comparável ao de Jesus expulsando vendilhões do templo.

Da minha parte santista roxo, continuarei agradecido e idolatrando o Rei. Adepto do errar é humano, seguirei gostando do Edson, a quem me igualo na falibilidade e nas faltas graves ou não que cometo todos os dias. Isso não é advogar em causa própria. É sentir a possibilidade de ser um pouco Pelé.

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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