As legendas trocadas e a falta que a Gazeta Esportiva faz

Que jornalismo é esse que chama arruaceiros de defensores da democracia e omite a queima da bandeira nacional?

A grande mídia “viu” no último domingo, na Avenida Paulista, em São Paulo, um confronto entre defensores da democracia e ruidosos fascistas. Essa foi, pelo menos, a narração dos jornalistas da grande mídia, modificando as cores das cenas captadas por fotógrafos e cinegrafistas. Pois, mesmo com a intervenção da edição, o que se observou de fato foi o contrário. As legendas foram trocadas.

De um lado, as pessoas vestiam tons verdes e amarelos, tinham idades variadas entre crianças e idosos,eram senhoras e senhores sem aparência bélica. Talvez houvesse alguma infiltração de brucutus mal intencionados, mas não escancarados. Uma gente que tem o hábito de se reunir ali nas tardes de domingo, para reclamar da forma como o governo estadual conduz o combate à pandemia. Esse é o grupo que foi descrito como fascista.

Do outro lado, em clara mobilização para o confronto, bandos há muito conhecidos dos paulistas. A horda violenta das maiores torcidas uniformizadas dos times de futebol de São Paulo ameaçava reprisar o que costuma fazer nos estádios e por todo canto da cidade, mesmo quando seus times não estão jogando: brigar entre si, ferir, machucar e, com triste frequência, matar adversários. Estes eram os defensores da democracia, na versão jornalística.

A qualquer pessoa que já passou pelo menos uma semana na cidade não se permite ignorar a natureza criminosa das chamadas torcidas organizadas ou uniformizadas do futebol paulista. Domingo, elas unificaram o verde, o tricolor e o preto e branco de seus times nas roupas negras que escolheram usar “em defesa da democracia”. Vestiram-se de fascistas para atacar alegado fascismo, e dedicaram-se alegremente aos seus folguedos habituais.

Com frequência, em defesa dos profissionais que assinam as mentiras publicadas pela grande mídia, argumenta-se que são trabalhadores cumprindo ordens patronais ou das chefias. Trabalhadores que tentam preservar o emprego. OK! Concordo que quem não quer cumprir ordens indesejáveis deve procurar outro departamento de pessoal para entregar a carteira do trabalho. Até admito que, na minha carreira, tive de engolir e expelir alguns sapos. Mas de ninguém se exige que seja mais realista do que o rei. É possível distorcer a notícia e ludibriar o público com dignidade, diria um cínico amigo meu.

Alguma dúvida sobre a parcialidade da grande mídia? O mesmo fim de semana foi pródigo em evidenciar a vergonheira. Sábado à noite, em Brasília, aconteceu uma deplorável manifestação bolsonarista diante do STF. A TV mostrou, como deveria fazer, as cenas repugnantes da cambada enfurecida (não volumosa, felizmente) vestida de preto, encapuzada e portando tochas

Sobraram, nas descrições “jornalísticas”, comparações com as manifestações dos nazistas alemães, na noite dos longos punhais, e com os supremacistas brancos da Ku Klux Klan norte-americana. O Fantástico fez até um competente trabalho de pesquisa, recuperando imagens dos anos 1930 e 1960, para mostrar a ação desses grupos intolerantes. Tinha algum sentido, apesar da acintosa forçação de barra em que embarcou até o ridículo decano. Além do que, ninguém se deu conta de que os racistas da terra de John Wayne vestem branco.

Mas o detalhe não tem importância. Grave foi o silêncio a respeito de outra manifestação, em sentido contrário, que ocorreu em Curitiba, duas noites depois. Na capital paranaense, jovens saudosos das balbúrdias de 2013 saíram em protesto contra o governo federal. Como de praxe, destruíram a pau e pedra tudo o que encontraram pelo caminho, principalmente as mais vistosas vitrinas.

A novidade foi que, no embalo, nossos antifascistas se depararam com uma bandeira nacional e, lépidos, providenciaram o arriamento. Assim surgiu a fogueira que – no dizer de um emocionado, inspirado, lírico e, desnecessário dizer, militante jornalista amigo meu – iluminou a “festa da democracia”.

Tais fatos edificantes, contudo, não ocorreram para quem se “informa” pela grande mídia. O ato cívico da queima da bandeira foi apagado pelo Grande Irmão e devidamente ”cancelado”, de forma a – que pena! – não poder mais ser denunciado pelo Ministério Público e investigado pela Polícia Federal. Nem dele se ocuparão os zelosos Alexandre e Celso, do STF. Pois, como dizia um falecido jornal, “se a Gazeta Esportiva não deu, ninguém sabe o que aconteceu”.

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *