Fim de namoro

Deve ser complicado namorar nesta era da comunicação permanente. Digo deve ser porque sou de outro tempo. Vejam só! Um amigo pediu pra namorada programar o celular novo. Foi sua desgraça. O cara viajava muito, sempre nos fins de semana, e deu à menina, sem querer, a oportunidade de monitorá-lo onde quer que estivesse.

Na primeira vez, numa cidade do sul, o espião mostrou que o amado estava a algumas quadras do hotel em que, cara de pau, dizia dormir o sono dos justos. Semanas depois, no Nordeste, estava no hotel, mas não naquele que a namorada reservara para ele. Estava em outro, justo o que hospedava uma companheira de trabalho, aquela assanhada!

Não há mais privacidade. Os namorados, quando não moram juntos, vão dormir falando no celular, trocando mensagens no zapzap e é assim que começam o dia, na manhã seguinte. Em uma semana, conversam mais do que muito casal em toda a vida. E não só conversam. Quase trepam pelo smart, mesmo que tenham saído do motel há não mais do que meia hora. “Estou gostosa, bem?”. “Quer me ver tomando banho, mor?”

Eu só conheci o quarto de minhas namoradinhas depois dos amassos regulamentares por todos os cantos da casa. Assim mesmo, em ocasiões especiais, como a morte da avó ou de uma tia querida, o piripaque que levou subitamente o sogrão ao hospital, o acidente com o irmãozinho mais novo na escola. Nessas oportunidades, a vigilância abrandava e, às vezes, ficávamos sozinhos tomando conta da casa e trocando carícias com a cara mais triste do mundo.

Com a Lindinha, não tive qualquer chance. Na verdade, nunca entrei na casa dela. Embora fôssemos colegas de classe, tínhamos um namoro de fim de semana. Ninguém sabia na escola. Começou no fim do segundo ano do colegial. Todo sábado e domingo à noite eu a esperava no ponto do bonde em frente ao Atlântico Hotel, no Gonzaga. Ela chegava com as duas irmãs e os namorados.

Dali, cada casal seguia para seu próprio programa, que deveria ter a duração de uma sessão de cinema. A sessão das 20, que terminava às 22 horas. No máximo dez minutos depois disso, eu devolvia Lindinha para as irmãs no mesmo ponto de bonde. No domingo, a rotina se repetia, e era conveniente para mim, pois em seguida encontrava os amigos na calçada em frente e continuava a noitada.

Funcionou bem até quando as aulas terminaram e vieram as férias e o verão. Eu não tinha telefone em casa e nem sabia o número da casa dela. Mas não falhava. Toda noite de sábado e domingo nos encontrávamos no lugar de sempre e eu dedicava umas duas horas e meia ao namoro, sem descuidar dos amigos, com os quais estudava, jogava vôlei na praia, batia bola e tomava cerveja toda noite.

Até que veio o carnaval. Esquecemos das mudanças que os desfiles provocavam no itinerário dos bondes e não combinamos um plano B. Esperei Lindinha na frente do hotel, mas não havia bonde. A avenida da praia estava interditada. O desencontro acabou com o namoro não só naquele fim de semana e nos seguintes. O carnaval passou, o verão acabou e o namoro também.

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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