Como será nosso admirável mundo novo?

Que o mundo, as pessoas e as sociedades serão diferentes do que se tem até agora parece fora de dúvida. Os otimistas acreditam na prevalência do bem. Teríamos aprendido que só a solidariedade, tal como foi exercida nos últimos meses até pelos bancos, vejam só, nos levará a uma vida melhor e em paz com a consciência. A humanidade, enfim, se encontrará e reduzirá as injustiças. Dará atenção ao sofrimento dos desvalidos.

Bonito! Mas os pessimistas acham, pelo contrário, que o egoísmo se exacerbará. Desde as cavernas, o homem defende o seu lado, na base do este porrete é meu, e será ainda pior daqui para a frente. A maldade às vezes se recolhe diante de ameaças comuns, mas apenas hiberna no fundo dos corações. Aquecida pela ausência de medo, voltara mais forte.

É evidente que a profundidade da mudança depende da duração da pandemia e dos estragos que provocará. Quanto mais perdurar, sem reposta eficaz da ciência – por enquanto tão surda à invocação dos defensores das mais desencontradas medidas de enfrentamento e tão perdida quanto os governantes –, mais profunda será a transformação.

Para melhor? Para pior? Não me arrisco a responder a indagação tão transcendental. Mas, sem aderir ao pessimismo, penso que as pessoas tenderão a buscar a autossuficiência, pelo menos face às necessidades corriqueiras, como a alimentação, o vestuário e a higiene pessoal, por exemplo. O homework inclui muito homemade, e ambos podem ter vindo para ficar e balizar o novo cotidiano em gestação.

Por aqui, parte dos 30% que podem se dar ao luxo de aderir às propostas de alguns governadores e obedecer gostosamente ao “fique em casa” (desde que, é claro, os outros 70% lhes garantam comida boa, lazer doméstico e roupa perfumada) viram aflorar talentos insuspeitados. Quem nunca colocou água pra ferver e tem certeza de que o cafezinho vem das máquinas nespresso, orgulha-se agora de preparar crocantes pães, deliciosos bolos, maravilhosos risotos. São máster chefes das galáxias.

Há até quem, no afã de confeccionar as próprias máscaras, no início escassas, descobriu os mistérios da costura. Não fazem feio na produção de pequenas peças de roupa e, neste exato momento, ganham confiança para abrir uma confecção. Outros avançam na alquimia e, de tanto usar e cheirar álcool 70º, arriscam a mistura com algumas essências e consideram satisfatório o resultado. Na persistência, periga descobrirem afinal a tão esperada vacina.

Menos sofisticados, mas de aplicação mais prática, surgem no recesso de milhares de lares brasileiros milhares de novos barbeiros, manicures, maquiadores e cabeleireiros. Pois, que me desculpem os muito confinados, beleza é fundamental. E porque hoje sábado, ou véspera de feriado, para essa gente.

Nem as ministras e os ministros do STF abrem mão de melenas bem penteadas e de bigodes aparados na medida certa, como se vê em suas aparições diárias na TV. O que lança no ar uma questão intrigante. Se não encontraram solução caseira, estariam se valendo dos fígaros contratados pela corte para atender suas necessidades do dia a dia? Então, aquelas sessões remotas do colegiado presidido pelo sempre engomado Toffoli seriam só encenação dos queridinhos do Weintraub? Que coisa!

Mas aí saio do tema deste texto. O que eu imagino é que a moda do homemake, o velho feito em casa, a produção caseira, a solução própria, pode permanecer além da pandemia, tanto quanto o trabalho a distância se tornará mais regra do que exceção. Alguns amigos juram que nunca mais entrarão em um restaurante, do mais estrelado ao trivial quilão. Pra quê, se o meu espaguete ao vôngole dá de mil no deles? Se a rabada com polenta da patroa não tem concorrência?

Pois é? Quem irá se dispor a marcar hora no salão, para fazer o que tem em casa com mais conforto e carinho? A segunda onda da crise pode ser bem pior!

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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