Este texto foi publicado no blog no dia 3 de abril, após o início das medidas de confinamento determinadas em função da covid-19. Repito agora, com pequenos ajustes, porque continua valendo.
Tempos malucos, estes. Em meio à mais profunda incerteza sobre o que será de nós ou, no mínimo, sobre como ficará o mundo pós pandemia, os insensatos continuam em guerra, para manter nacos de poder ou ganhar importância. Acham-se imunes? Ou preparam a inscrição para as próprias lápides: “Foi em vão, mas lutei até o fim para me dar bem!”.
Deve acontecer no mundo todo, porque Deus não há de ter reservado tanta cretinice como atributo único e exclusivo de nossos governantes, políticos e formadores de opinião. De governantes e políticos, na verdade, desde muito tempo, e ainda mais hoje, além dos 70, nunca esperei mais e melhor. É o padrão deles. Nem dá para reclamar, porque fomos nós que colocamos os calhordas onde estão. Insistimos em dar razão ao Rei. Falo de Pelé.
O que me incomoda e envergonha é a atitude da grande mídia. Um querido amigo, o qual não viveu para ver esse pan…demônio, diferenciava mídia e imprensa. Para Osvaldo Martins, mídia é um negócio e imprensa, uma atividade voltada à informação, bem dos cidadãos, o que insere o jornalismo entre os direitos e liberdades fundamentais. É bom que grandes grupos de comunicação sejam ao mesmo tempo mídia e imprensa, porque fazer jornalismo correto é caro e exige competência empresarial. Basta saber separar as coisas. Mas, com exceções, o que temos hoje é só mídia.
Outro dia lembrei da minha introdução na profissão. Foca, fui encarregado de encontrar mazelas na cidade, para bater no interventor militar. Até que o general de plantão fez acordo com o jornal e tirou o bode da sala. Também exemplares desse comportamento “desinteressado” da nossa mídia são um histórico jornal carioca, já extinto, e aquela que foi durante décadas nossa maior revista semanal de informação.
Os saltos triplos carpados que essas publicações davam na relação com os governos eram nada menos que espetaculares, medalhas de ouro. Aos leitores só cabia ficar de boca aberta e, de vez em quando, soltar um expressivo “uau!”. Consta que tais malabarismo cessavam quando jornal e revista, em épocas distintas, voltavam a ocupar lugar top na publicidade federal.
Raras vezes presenciei conflitos da mídia com a autoridade maior do país motivados por questões republicanas. Lembro como exceções a postura do Estadão, com seu irmão caçula Jornal da Tarde, durante o regime militar. Veja foi outra que enfrentou a ditadura com altivez, além da imprensa digamos nanica e a alternativa. Houve certamente outras resistências importantes, que cometo a descortesia de não mencionar, por lapso de memória.
Mas a maioria aderiu, entre eles um jornal hoje tão ativo no confronto com o governo legitimamente eleito. Na época brava, nem opinião tinha. Considerava mais prudente não dar palpite e expor o que pensava. Há quem diga que o grupo chegou a colaborar com o regime militar. Eu não chego a tanto, mas também não confio na sua postura atual.
É no jornalismo da Rede Globo, no entanto, que o pior desse mundo se encontra e ecoa. Há tempos, sabe-se que a empresa não vai bem das pernas. São de domínio público os enxugamentos na programação e no quadro de pessoal, incluindo o estrelado elenco das novelas. Com a situação deixada pelo governo Dilma, escassearam os recursos federais, antes tão generosos, e reduziu-se o investimento privado em mídia.
Com a entrada em cena de Bolsonaro, começou o jogo do bate e assopra, mas os resultados não foram os esperados. O outro lado manteve-se inflexível. Daí o endurecimento da oposição ao governo, nos telejornais do grupo e nas suas publicações impressas. Na TV, a pancadaria é inacreditável. Fora de propósito, em tom bem acima das latas que infla, desproporcional e indecente.
O comportamento é tão indecoroso que notícias boas, ou pelo menos neutras, são atribuídas a um governo impessoal. Já as más notícias, verdadeiras ou forçadas, têm nome e sobrenome: os do presidente desafeto. Alguém pode dizer “bem feito pra ele!”, não sem razão. Mas e desse tipo de “jornalismo” o que se pode falar? Eu digo que não engrandece a profissão que tanta gente dignificou. Muito ao contrário.
Nos tempos da Praça Marechal Deodoro, gloriosos anos 1980, ativistas sociais ligavam para a redação e pediam cobertura para manifestações que estavam sendo organizadas. Quando o produtor pedia detalhes como data, horário e local, as pessoas respondiam: onde e quando for melhor pra vocês. “A Globo vai cobrir, né?” Pois é! Hoje, a técnica foi aprimorada por instituições e gente de alto bombordo. Até o mais tosco assessor de imprensa sabe que, para entrar na Globo, o cliente precisa ter o discurso da emissora. Daí vermos toda noite, no JN, os mesmos “especialistas” dizendo ao governo “o que fazer”.
Dependendo do grau de afinidade, o interessado pode até virar “comentarista” fixo na grade “jornalística” da Zorra Total. É o caso do presidente da Câmara, conhecido por “Botafogo” na planilha de propinas da Odebrecht. Aqui, porém, trata-se mais propriamente de aliança dos amigos do Bozó com a escumalha da política nacional.
Assim como os governos do PT associaram-se a Sarney, Renan, Collor, Temer, Barbalho, Delfin, Maluf, ao mais profundo baixo clero e tantas flores do bem para viabilizar seu projeto de poder e controle do Tesouro, a TV BBB descaradamente une-se aos atuais simulacros dos tipos citados.
Troca visibilidade em rede nacional por apoio ao plano lelétantam de derrubar o presidente democraticamente escolhido. Depauperada pela queda de receita da publicidade pública (principalmente) e privada, mas momentaneamente revigorada pela audiência literalmente cativa do isolamento, os lunáticos tocam indiferentes sua guerra brancaleone.
Se Darth Vader baixasse hoje, não haveria aliado melhor. Na falta do vilão de George Lucas, pode servir o covid-19.