Para acompanhar o noticiário do dia, prefiro a CNN à Globo News. Acho a TV do pastor mais ágil e informada. À noite, arremato com o JN, o Jornal do Necrotério, comandado por Dr. William Bonner e sua assistente Mortícia, com as intermináveis cenas de caixões e covas fúnebres, depoimentos de pessoas com dificuldades para internar parentes ou que já os perderam para a pandemia e críticas às ações do governo federal, no combate ao corona vírus. Só não faço isso todo dia porque meu nível de depressão não chegou a tanto.
Assim, antes de me entreter com algum filme, termino o dia com sensações estranhas. A primeira é a de que, até março, ninguém morria neste país. De lá pra cá, outra impressão, os brasileiros só morrem infectados por covid-19. Também fico com a certeza de que foi a partir deste ano que nossos hospitais (principalmente os federais) e todo o sistema de saúde deixaram de funcionar e cuidar bem dos pacientes. É inacreditável ver como, a crer no principal noticioso da TV BBB e sem qualquer motivo, um atendimento de primeiro mundo virou digno dos países mais atrasados.
Outro dia, para supostamente se contrapor às autoridades federais, que teriam desdenhado da triste mortandade, o JN (Jornal do Necrotério) achou que daria um tapa com luva mortuária na cara do presidente se passasse a nominar todas as noites os mortos brasileiros da pandemia. Não demorou a perceber a insanidade da coisa. Mesmo esticando ainda mais o “noticiário”, já inflado por absoluta falta de anunciantes e de novas produções para preencher a grade, não haveria espaço para tanto necrológio.
Foi quando surgiu ideia melhor. A partir de ontem, conforme anunciado com a toda a solenidade pelo apresentador, o cenário de fundo do telejornal passou a exibir fotos de vítimas da doença. Trata-se, segundo afirmou, de uma homenagem aos mortos. Uma espécie de túmulo do soldado desconhecido, já que só familiares e amigos mais atentos talvez reconheçam os homenageados. De toda forma, vale a intenção.
O noticioso da Globeleza também nos dá a impressão de que até recentemente vivíamos felizes num país rico e justo, capaz de nos oferecer emprego e prosperidade, igualdade plena e totais condições de crescimento pessoal. Nenhuma fome, nenhum miserável. Mas tudo isso acabou, pela força exclusiva de um governo que, tendo encontrado todas essas condições, fez a nação desandar. Os anteriores 16 anos de corrupção sumiram por desencanto, como na sociedade de 1984 (o livro, não o ano, embora também seja a data que George Orwell, morto em 1950, escolheu para situar o futuro totalitário do Big Brother).
Mais intrigante é que, depois de ver ao longo do dia os mesmos fatos, personagens e locais no noticiário das duas TVs, fiquemos com a impressão de que são coisas absolutamente distintas. Repórteres e comentaristas estariam a tratar de temas diferentes. As descrições e análises não batem. O que nos coloca diante do dilema de ter de decidir em qual acreditar. De ter como verdadeira qual versão, qual narrativa, como se costuma dizer agora.
Como nas situações antagônicas cada qual aposta em fontes de um lado do confronto, talvez o mais prudente seja duvidar das duas. E concluir que o nosso jornalismo morreu, pelo menos na grande mídia. Falta Dr. Bonner informar se de covid-19 ou insuficiência respiratória aguda.
E mostrar o caixão.