Porque eu fui/sou o rei do futebol, e a minha majestade teve/tem vários nomes. Santos, você pode resumir. O time e a cidade. Ou Vila Belmiro, o meu melhor cenário, o lugar onde todos os talentos da bola insistimos em jogar. Mas você também pode individualizar. Ramiro, Zito e Formiga. Alfredinho, Del Vecchio e Vasconcelos. Álvaro, Urubatão e Tite. Manga, Hélvio e Ivan. Fui/sou essa turma toda em carne e osso e, com o tempo, aconteceu uma coisa esquisita. De heróis dos títulos de 1955 e 1956, como por encanto viraram/viramos seres mitológicos devidamente documentados com CPF, RG e CEP. Extraordinário!
Sozinho, formei/formo o ataque sobrenatural de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, na continuação daquele que escalei com outros nomes. Com Jair e Pagão entre Dorval e Pelé, por exemplo. Antes, fui/sou Omar, Camarão, Siriri, Araken, Feitiço, Evangelista, toda a poderosa linha dos 100 gols do fim dos anos 1920. Como também fui/sou o solitário Antoninho Fernandes, nos tempos difíceis das três décadas seguintes. Eu era/sou cada linha atacante dessas e fui/sou cada um desses craques. Provavelmente, estava a não mais de um quilômetro de Urbano Caldeira, quando Pablo Neruda escreveu, na amurada do navio atracado no cais santista: “Falam de Pelé. Será que ele joga tão bem?”. Um verso perdido do fim daquela década, um poema que o chileno dedicou à cidade.
"Fui/sou o time campeão de 1935. Fui/sou Pelé e Coutinho"
Sim, poeta! Posso responder porque fui/sou ele. Joguei muito e sempre estive na boa companhia de mim mesmo no Santos. Sendo também Gilmar, Cláudio, Cejas, Lima, Carlos Alberto, Mauro, Marçal, Calvet, Ramos Delgado, Joel Camargo, Orlando, Djalma Dias, Marinho Peres, Dalmo, Geraldino, Rildo, Clodoaldo, Negreiros, Nenê, Léo, Orlando Lelé, Pitico, Abel, Edu, Manoel Maria, Jair da Costa, Toninho Guerreiro, Douglas, Alcindo, Euzébio e Cláudio Adão. Outras lendas que encarnei/encarno, outras histórias que a magia do futebol tornou fantasias.
Pode crer que, nos primórdios, também fui os assombrosos Arnaldo Silveira, Tuffy e Athié. Garanto a você que, no corpo atarracado de uns e na figura esguia de outros, todos foram/fomos nada menos que isso: assombrosos. E que, desde aqueles tempos tão antigos quanto eu, demos ao Peixe a marca inconfundível. O Santos, meu filho, nasceu para encher de gols o mundo da bola. Quantas vezes eu disse isso a vocês, os mais velhos, extasiados com os ataques avassaladores dos anos 1950 e 1960. E quantas vezes repeti para os mais novos, deslumbrados com os títulos que vieram dos pés de Aílton Lira, Pita, Batata, Juary e João Paulo. E de Rodolfo Rodrigues, Dema e Serginho Chulapa.
Ao lado de todos vocês, e na versão Giovanni dentro de campo, chorei o roubo de 1995 e revivi a epopeia do Peixe quase centenário na síntese da redentora tarde de 15 de dezembro de 2002, quando aquela nova fornada de Meninos da Vila nos recolocou de cabeça altaneira. Vencidas as sete pragas e superada a travessia do deserto, porque não há glória sem dor, cumpria-se o que está escrito: jamais houve ou haverá nada igual entre as linhas dos campos abençoados. E, naquela tarde, eu era o menino endiabrado, com suas pedaladas e tudo o mais.
O que você lerá/leu aqui é apenas resumo. Algumas das formas que assumi nestes cem anos, em múltiplos cenários por toda parte e no meu reino preferido. A Vila Encantada. Mas o mundo gira e a bola não para. Daqui a 30 anos, suas filhas poderão dizer: eu vi Robinho e Diego, eu vi Neymar. Poderão resumir: eu vi o melhor do futebol. Porque assim foi. Assim é. Assim será.
(Fim)