Santos, 1950-60 – Parte V

Educação física na escola foi luxo que nunca tive. E pra que? Criança pobre da periferia faz como meus irmãos e eu fazíamos na nossa infância despojada, mas feliz do Marapé. Subindo e descendo os morros, pra catar coquinho. Rodando descalço toda a cidade, da nossa rua ao centro, esticando para a Zona Noroeste, bem pra lá do matadouro municipal e dos permanentes urubus, passando o cemitério e o quartel do 2° BC, quase chegando a São Vicente por essa via alternativa. Ou seguindo para os lados da Ponta da Praia, beirando o cais do porto, correndo entre os armazéns empoeirados e passando pelos canais do mercado e do Macuco, com a vista bonita das catraias coloridas. Na busca de aventuras que iam muito além da carona no estribo dos antigos bondes da SMTC, enlouquecendo cobradores e motorneiros, ora pois.

Pedalando, quando havia uma magrela disponível, até o recanto das Tortugas, no Guarujá, ou até a Praia das Vacas, depois da Ponte Pênsil, à esquerda, em São Vicente. Nadando em torno da Ilha Porchat ou atravessando a entrada do canal para chegar à Praia do Góes, Ilha de Santo Amaro, Guarujá, mijando de medo e molhando de outra forma o calção mal ajambrado, porque nadava mal pra caramba, mas não queria fazer feio. Saltando, ídem, do antigo trampolim da Ponta da Praia ou da pedra do Tarzan, no Itararé, onde tanto moleque da nossa idade morreu.

Estudando à noite e trabalhando com carteira de menor de segunda a sábado, e ainda com fôlego e pernas pra disputar olimpíadas inteiras todo fim de semana, onde houvesse uma bola rolando pelas ruas, campos de terra ou grama, entre Bertioga e Peruíbe, com tempo para o futebol de salão (era esse o nome do jogo) nas noites de sexta e sábado, para o vôlei nas manhãs de domingo nas areias quentes e para o jacaré de peito na parte mais rasa do mar. Ali onde as ondas terminam.

Ah, e nessas quebradas também havia Arte praticada com gosto. Arte de invadir quintais em busca de frutas e cacarecos, de afanar gibis nas bancas de revistas, de embolsar balas nos balcões de padocas e botecos, de fazer carreto na feira, de transformar em dinheiro jornais velhos, latas de cera e garrafas vazias, de recolher e derreter as sobras de fios das obras da empresa municipal de luz e vender o metal. Tudo isso, como dizia o velho, sem redundância, rendia “uns bons cobres”. Embora seja justo admitir que a Grande Arte, a Verdadeira Arte, nos pegava como espectadores, na Vila Belmiro, em cujo gramado Zito, Formiga, Álvaro, Pagão, Coutinho, Pelé e Pepe compunham magistrais sinfonias, criavam indescritíveis balés e escreviam jogando bola enredos jamais imaginados.

Não se deve, porém, desmerecer a felicidade dos domingos na praia, num tempo em que o sol era mais brilhante, a água mais verde claro e as ondas abundantes mais brancas. Já entrando na puberdade, era delicioso me deixar levar pelo mar, mirando a garota mais bonita de quantas faziam alarido e davam gritinhos assustados ali perto, por certo adivinhando minhas deliciosas intenções.

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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