Um momento mágico do Rei, que na época os locutores preferiam chamar de Fera
O atarracado lateral esquerdo do Botafogo do Rio calcula o longo arco que a bola lançada pelo goleiro do seu time começa a descrever na sua direção. Prepara-se para recebê-la com elegância no peito e deixá-la cair com graça na grama, antes de acionar o pé esquerdo e iniciar o avanço.
Já pressente os aplausos, quando, de rabo de olho, vê a Fera com o temível uniforme branco do Peixe iniciar a corrida. O perigo está distante, ainda, uns 30 metros, mas convém mudar os planos. Melhor deixar a bola dar um primeiro pique no chão e chegar amortecida.
Por isso, recua na diagonal do campo na direção da linha lateral, enquanto a bola continua sua viagem. Há espaço suficiente para a marcha a ré e tempo de sobra para checar a aproximação do inimigo. Descartada a matada no peito, continuam valendo as demais manobras.
Dará o primeiro toque com o lado interno do pé esquerdo e, em seguida, virá a rápida puxada com o lado externo, aproveitando a rotação do corpo para a frente.
Pronto. Subjugada a bola, ele terá diante de si todas as possibilidades. Pode ser uma tabela com o companheiro mais próximo ou um lançamento longo até a área inimiga. A torcida vai gostar de qualquer forma. Pode até sair um gol.
Mudança de planos. É preciso recuar ainda mais, porque o primeiro pique não foi suficiente para garantir o controle seguro da bola e o demônio agora parece perto demais.
Melhor esquecer os aplausos, adiar o projeto de gol, simplificar as coisas. Ganhar mais espaço, deixar que as leis da física amansem naturalmente essa outra ameaça redonda.
A nova ideia é bater chapado na bola e mandá-la de volta ao goleiro, afinal um dos dois responsáveis por aquela situação incômoda. O outro é esse diabo negro que vem decidido a lhe complicar a vida. Danem-se as vaias, será melhor assim.
Nem isso, porém. Em pânico, o botafoguense perde a noção dos limites do campo. Ultrapassa a linha, desequilibra-se e cai sentado na grama. As pernas abertas são como o ninho que a bola escolhe para se aquietar.
O drama que as arquibancadas acompanharam apreensivas vira comédia. O Maracanã explode em gargalhada.
Eu estava no campo. A única vez que fui ao Maracanã, junto com meu irmão, Márcio Fonseca, em grupo de amigos do Jornal A Tribuna.