O que os comentaristas de futebol da grande mídia enchem a boca para chamar de “tecnologia” nada mais é do que o dedo do operador de vídeo na cabine do VAR. Seja ele um técnico ou um juiz treinado para exercer a função. Pois é essa figura quem determina, nos casos de impedimento, por exemplo, a posição da bola, a posição do atacante e o momento exato em que o passe sai do pé do jogador que dá o penúltimo toque. Assim, se o varista antecipar ou retardar o congelamento da imagem, voluntária ou involuntariamente, o lance será ou não invalidado. Com o aplauso dos comentaristas e dos entendidos.
Ou seja, nada há de tecnológico nisso, apenas a mais normal ação de alguém que tanto pode acertar quanto errar. Não há infalibilidade, tanto quanto não havia na alegada prescrição “científica” da Globo e do Mandetta para o combate à pandemia, seguida por prefeitos e governadores. Com mais de 120 mil mortos, não dá para dizer que a estratégia foi bem sucedida. Como não se pode afirmar que o juiz eletrônico veio para eliminar os erros de arbitragem e instituir a justiça no futebol, depois das clamorosas (com licença, mestre Cláudio Carsughi!) manipulações que se verificam, rodada após rodada.
Domingo passado, a vítima do VAR foi o Santos e o beneficiado, mais uma vez, foi o Flamengo. No primeiro gol anulado, mesmo contando com a imagem da câmara lateral, a equipe de juízes eletrônicos demorou cerca de cinco minutos para decretar que o atacante santista tinha um ombro em posição irregular. Una cabeza seria mais apropriado, mas não. Um ombro. Um frame antes, ele poderia estar em posição legal. Quem pode garantir, tecnologicamente, que a imagem foi parada no momento certo, ou se avançou um pouco mais, até o alegado impedimento? Pois é, nunca se saberá. E nem adianta depois, com base nessa manipulação (no melhor sentido da palavra), vir com linhas traçadas artificialmente sobre a imagem real para provar o que não passa de suposição.
No caso, o mais escandaloso foi o tempo que os três juízes eletrônicos levaram para decidir, em lance tão simples, se havia ou não impedimento, mesmo contando com a filmagem mais elucidativa possível. Por que a demora? O que os levou a vacilar tanto? Que artes fizeram nesse tempo? Ressalte-se que a decisão foi exclusivamente deles, pois o juiz de campo só cumpriu o que lhe foi recomendado: anulou o gol santista e assinalou impedimento. Curioso é que grande parte dos comentaristas considerou essa decisão acertada, por ser mais fácil de julgar. Fácil como, se os caras atrasaram tanto o jogo?
Já no segundo gol santista anulado, há uma confluência de responsabilidades do juiz de campo com os colegas eletrônicos. É claro que o lance foi muito mais complexo, já que era preciso determinar em primeiro lugar o momento exato em que o pé esquerdo de Marinho toca a bola na cobrança da falta. Em segundo lugar, os árbitros deveriam precisar a posição do meia Jobson nesse mesmo instante, se adiantada ou não. Outra necessidade: conferir se o santista tocou ou não a mão na bola. Finalmente, caberia ao juiz de campo decidir se a movimentação de Jobson teria prejudicado o goleiro do Flamengo.
Mais uma vez com o auxílio da “tecnologia digital”, aquela que usa o dedo do operador de vídeo, decidiu-se que Jobson estava adiantado. Mas, com a imagem correndo, viu-se que ele não toca com o braço nem interfere de alguma forma na trajetória dela. O juiz de campo vai, então, conferir tudo na telinha do VAR.
Detalhes. O juiz havia validado o gol, não contestado por nenhum flamenguista. Nem mesmo queixou-se o goleiro, supostamente o prejudicado pela participação passiva de Jobson no lance. O comentarista de arbitragem da Globo (nada me convence de que não haja contato direto entre ele e a cabine eletrônica) tenta encontrar uma saída e dar uma força ao Flamengo. Primeiro, fala do possível impedimento. Depois, vem com a história do braço de Jobson na bola. Finalmente, com a demora do VAR, já não sabe mais o que falar. Para sua salvação, o juiz de campo vai conferir o lance. Anulado o gol, após outros cinco minutos de paralisação, os globais confraternizam. Decisão acertada!
Ao longo do jogo, haveria ainda mais duas participações ou omissões importantes do VAR, sempre a favor do Flamengo. Inicialmente uma falta violenta do rubro-negro Bruno Henrique em Marinho, perto do quarto árbitro, foi ignorada pelos quatro juízes (seria expulsão direta ou no mínimo cartão amarelo para o flamenguista). Mais adiante, o mesmo Marinho ganhou de Gustavo Henrique na velocidade e foi derrubado nas proximidades da área pelo zagueiro. Apontado impedimento do santista, o VAR é acionado para verificar se houve ou não pênalti a favor do Santos. A imagem mostra com clareza que Marinho partiu de posição legal, não havendo impedimento, e foi derrubado por trás pelo zagueiro, fora da área. Não foi pênalti, mas a falta deveria render a Gustavo Henrique o cartão vermelho. O juiz, entretanto, preferiu manter a marcação do impedimento que não existiu.
Ano passado, contra o Cruzeiro no Mineirão, Gustavo Henrique ainda no Santos cometeu infração idêntica aos cinco minutos de jogo. O juiz nada marcou, mas o VAR interferiu e, além de determinar a marcação da falta, levou o juiz a expulsar o zagueiro. A questão principal, assim, nem é discutir a indisfarçável manipulação dos juízes eletrônicos, seus conluios com os árbitros de campo ou a parcialidade dos comentaristas de arbitragem da Globo. A questão é a falta de critério. Tal distorção leva à marcação, por exemplo, dos pênaltis duvidosos que evitaram derrotas do Flamengo, já nos acréscimos do segundo tempo, em jogos sucessivos. E à absurda anulação dos gols santistas na Vila.