Educação Física não precisava ter na escola. Criança pobre da periferia faz como meus irmãos e eu fazíamos na infância despojada, mas feliz, do Marapé. Subindo e descendo os morros para catar coquinho. Rodando descalço toda a cidade, da nossa pequena rua até o centro, esticando para a Zona Noroeste, bem pra lá do matadouro municipal e dos urubus no céu, passando o cemitério da Areia Branca e o quartel do 2° BC, aquele em que o Rei foi reco, quase chegando a São Vicente por essa via alternativa. Ou seguindo para os lados da Ponta da Praia, beirando o cais do porto, correndo entre os armazéns empoeirados e passando pelos canais do mercado e do Macuco, com a vista bonita das catraias coloridas. Na busca de aventuras que iam muito além da carona no estribo dos bondes da SMTC, enlouquecendo cobradores e motorneiros, ora pois.
Pedalando, quando havia uma magrela disponível, até o canto das Tortugas, no Guarujá, ou até a Praia das Vacas, depois da Ponte Pênsil, em São Vicente. Ou seguindo direto até Praia Grande. Nadando em torno da Ilha Porchat ou atravessando a entrada do canal para chegar à Praia do Góes, Ilha de Santo Amaro, Guarujá, mijando de medo e molhando de toda forma o calção mal ajambrado, porque nadava mal pra caramba, mas não queria fazer feio. Saltando, saltei mesmo ou é fantasia?, do trampolim da Ponta da Praia, da pedra do Tarzan no Itararé, onde tanto moleque da nossa idade morreu.
Mas aí já estou falando de tempos depois, do adolescente que estudava à noite e trabalhava com carteira de menor de segunda a sábado, e tinha fôlego e pernas pra disputar olimpíadas completas todo fim de semana. Onde houvesse uma bola rolando pelas ruas calçadas ou não, campos de terra, areia ou grama, entre Bertioga e Peruíbe. Com tempo para o futebol de salão (era esse o nome do jogo) nas noites de sexta e sábado, para o vôlei e o frescobol nas manhãs de domingo nas areias quentes e para o jacaré de peito na parte mais rasa do mar.
Ah, e nessas quebradas também havia Arte praticada com gosto. Daquela arte que a mãe não recomendava, quando conseguia nos ver escapulir: “Não vão fazer arte por aí!” Arte de invadir quintais em busca de frutas e cacarecos, de afanar gibis nas bancas de revistas, de embolsar balas nos balcões de padarias, mercearias e botecos, de fazer carreto na feira, de transformar em dinheiro jornais velhos, latas de cera e garrafas vazias, de recolher e derreter as sobras de fios das obras da iluminação pública e vender o cobre.
A carona no estribo do bonde e as gloriosas tardes na Vila
Tudo isso, como dizia o pai, nosso mestre nessas e noutras virações, rendia “uns bons cobres”. Sem redundância. Embora seja justo admitir que a Grande Arte, como no livro do Rúbem Fonseca, a Verdadeira Arte, nos pegava como espectadores, na Vila Belmiro, em cujo gramado Zito, Formiga, Álvaro, Pagão, Coutinho, Pelé e Pepe imperavam. Exclusividade para os nossos sentidos, compunham magistrais sinfonias, criavam indescritíveis balés e escreviam com a bola enredos e poesias como jamais imaginadas.
Não se deve, porém, desmerecer a felicidade dos domingos de praia, num tempo em que o sol era mais brilhante, a água mais verde claro e as ondas mais brancas. De novo Marapé e José Menino, entrando na puberdade, delicia era me deixar levar pelo mar, mirando a garota mais bonita de quantas faziam alarido, saltavam arrepiadas e davam gritinhos assustados ali por perto.
Também cheias de malícia e vontade.