Olho para trás e vejo que meus cabelos sempre foram brancos e poucos. Quando muitos e escuros – constato nas velhas fotos dos times das redações e das assembleias do Vlado no Sindicato –, eram desgrenhados. Bem palha de aço, até. Tentei alisá-los com orientação de uma namorada e o auxílio de um produto de farmácia. O resultado provocou o comentário de um negro famoso, com quem viajei na época: “O jornalista tem um pé na cozinha!”
Meus antepassados vieram de Portugal e da Espanha. Os avós portugueses do pai chegaram direto e se instalaram em Santos, com uma escapada do bisavô para o Vale do Ribeira. Lá, explorou uma mina de chumbo e abriu um armarinho em Eldorado Paulista, então Xiririca. Os avós maternos, de sangue espanhol e lusitano, vieram do litoral norte do Paraná, com escala no Vale do Ribeira. Ali, vovó Helvetia lecionou em colônias de imigrantes japoneses, como professora leiga. Veio dela o português que mamãe, com poucos estudos, impôs à nossa casa modesta de Santos, cidade que a família dela adotou na década de 1930.
Ainda assim, pode haver em nós algum vestígio de sangue índio, como assegurava a madrinha, irmã do pai, para desgosto da mãe. É incrível, mas a Bela Dolores carregou algum preconceito no coração bonito. E quem não, naquela época e até hoje, sem nada que explique? O Bom Fonseca também. Sua cisma eram os jovens negros que se vestiam melhor, e ele achava mascarados só porque jogavam no juvenil do Peixe. Vai entender!
Um desses, se bem me lembro Luís Cláudio, era engomadinho e perfumado, como qualquer rapaz bonito. Chegava na entrada do ginásio Athié Jorge Cury, Vila Belmiro, e mal olhava para o pai. Ia passando, sem crachá e sem boa noite! Mas o velho barrava, com educação e algum sadismo: “Ingresso, por favor!” O rapaz, surpreso: “Como assim, ingresso? Não me conhece?”. E o velho, inflexível: “Não, não conheço. Ingresso, por favor!”.
Talvez só ali, na entrada dos jogos de vôlei e basquete, daqueles anos 1950, em Santos, o humilde servidor público, faxineiro, garçom, montador de coberturas para festas, cobrador, bilheteiro, pau-pra-toda-obra, que sangrava para pôr dinheiro em casa e alguma comida na mesa pequena da família grande, exerceu alguma autoridade na vida. Em especial, diante de “jovens mascarados”.
Na viagem com o maior time de todos os tempos, achei legal o Rei me acolher. Numa época em que diferenças não se viam a olho nu e respeito não se impunha, meu sentimento era mais que sincero. Chegava ao orgulho. A voz do pastor King ainda se ouvia forte e a negritude estava em alta no mundo, com Ali, Ella, Marley e os Panteras. E, também aqui, com Cartola, Elza, Simonal, os livros de Machado e a força negra daquele time inesquecível!
Como sempre, um texto perfeito. Padrão ” Bela Dolores “.
Obrigado, Sílvio!