Agora que Michel Temer é passado e está pronto a ser alcançado pela força tarefa da Lava Jato, vale a pena reconstituir os bastidores de um momento chave da fase final dos governos petistas. Espinafrado pelos ex-aliados, o vice bom de bico tentou aos trancos e barrancos estancar o processo de decomposição do país, herdado da presidente afastada, mas enfrentou a fúria dos velhos amigos. Além disso, incorrigível, manteve o hábito de lambuzar-se com a coisa pública, e se perdeu.
Caiu na armadinha armada dentro da PGR, com a cumplicidade de um promotor público, do diretor jurídico Francisco Assis e Silva e dos donos do grupo empresarial JBS, Joesley e Wesley Batista. A mal ajambrada gravação feita por Joesley com o então presidente, em março de 2017, no Palácio Jaburu, revela na versão oficial que Temer teria estimulado o pistoleiro da proteína animal a calar o deputado Eduardo Cunha mediante propina. “Tem que manter isso, viu?”, disse o presidente, no trecho mais claro da fita. A versão a seguir é pura ficção, mas pode ter a mesma credibilidade.
00’00 – Ops, chefia, tem mais um “é” aqui na gravação.
00’03 – Onde? De quem?
00’06 – No meio daqueles três “és” que já tínhamos ouvido. Está entre o segundo e o terceiro “é”, da voz número 2. Na interrupção mais longa, sabe qual?
00’14 – Sei. Dá para cravar que esse “é” também é da voz 2, certo?
00’19 – Não tenho muita certeza, mas… Pode, sim!
00’22 – Então, é isso. Vamos avisar o delegado que já temos a confirmação. O presidente combinou com o delator a propina para comprar o silêncio do deputado.
00’31 – Poxa, tudo isso?
00’33 – Claro, companheiro! É o encadeamento lógico da conversa!
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00’00 – Chefia, pesquei mais um “inaudível”. Está bem no começo.
00’04 – E de quem é esse “inaudível”?
00’07 – Não deu para ouvir, hahaha.
(impublicável… silêncio)
00’11 – Desculpe, chefia. Deve ser da voz número 2, porque parece responder ao “boa noite!” da voz número 1.
00’16 – Então, vamos passar para aquele colunista político. Diga a ele que temos mais uma prova da relação íntima do presidente com o delator. Veja como é expressivo, como é caloroso esse “boa noite!”.
00’24 – Mas é um “inaudível”, chefia.
00’27 – É claro que não se ouve direito. Mas nota-se que o presidente é efusivo, é afetuoso com o visitante noturno.
00’33 – Bem… De certa forma… Claro, chefia!
00’38 – O que está esperando? Telefona pro jornalista!
*****
00’00 – Você viu a TV, ontem à noite?
00’03 – Vi sim, chefia!
00’05 – O que achou? Gostou?
00’07 – Aquela parte em que eles falam que comprovamos a cumplicidade do delator com o presidente ficou d+. Digo, demais.
00’14 – Foi muito bom, mesmo!
00’16 – E gostei quando eles disseram que conseguimos provar que o presidente mandou o delator pagar pro deputado ficar calado. Matou a pau!
00’22 – Eu também gostei… Mas tem um problema!
00’25 – Que problema, chefia?
00’28 – Foi você que fez o relatório da perícia, não foi?
00’30 – Sim, chefia.
00’32 – Pois é! O juiz, o procurador e o delegado gostaram mais do texto da TV. Gostaram tanto que estão pensando em contratar um jornalista desses pra fazer os nossos relatórios.
00’38 – E daí, chefia?
00’40 – Daí que você dançou, companheiro!