A língua que se fala

Você sabe como se chama aquela peça ora branca, ora metálica, ora vermelha ou de outra cor qualquer, com mais ou menos um palmo de comprimento por um palmo de altura, que você liga na tomada (atenção para a voltagem!), encaixa nela duas fatias de pão de forma, regula o termostato e liga deslizando uma chave para baixo? Isso mesmo, aquela que às vezes até assusta com o salto das fatias quando chegam ao ponto desejado.

Sabe mesmo? Pois é! Eu também achava que sabia, ao sair esta manhã para comprar uma dessas geringonças no comércio das proximidades. Meu primeiro engano foi imaginar que peça tão pouco desenvolvida tecnologicamente seria encontrável até na banca do Sílvio, aqui na esquina. O Sílvio, atualmente, vende de tudo, de alimentos e bebidas a cabos para celular, de brinquedos a revistas. Tinha um banco querendo que ele vire salão de beleza, mas parece que a ideia dos espertinhos não colou. Sílvio prefere vender jornal para pet fazer xixi.

É claro que a outrora banca de jornais não tinha o produto que eu procurava. Surpresa foi não encontrá-lo nas três lojas de utilidades em que entrei. No entanto, não é para falar do sumiço de alguns produtos das prateleiras, talvez vitimados pelo covid-19, que alugo a sua atenção. Minha intenção é outra. Quero falar de como as pessoas utilizam nomenclatura própria, com nomes diversos para coisas iguais ou nomes iguais para coisas diversas.

Entrei na primeira loja e fiz o pedido à moça que me atendeu:

– Preciso de uma torradeira. Que opções você tem?

– Claro! Temos uma linha muito interessante de sanduicheiras. Venha comigo.

– Espere! Sanduicheira é aquela maquininha na qual o pão vai deitado? Na que eu preciso, as fatias vão em pé, sem recheio.

– Ah, entendi! Sei qual é. O que o senhor procura é uma tostadeira. Não temos. Está em falta.

Na loja seguinte, já familiarizado com o assunto, fui direto ao ponto.

– Por favor, quero uma tostadeira. Você tem?

– Temos sanduicheiras de algumas marcas muito boas. Venha ver.

– Desculpe, mas eu preciso de uma tostadeira. Aquela com duas fendas em cima, pra gente colocar as fatias de pão de forma e fazer torradas. Você tem?

(Parêntesis para “colocar versus inserir”. Já repararam como no comércio o cartão tem de ser “inserido” nas maquininhas de compra? Colocar é palavrão. Eu, de sacanagem, às vezes pergunto: posso enfiar?)

– O senhor deveria ter dito logo que quer uma torradeira. Essa não temos mais.

Na terceira loja, a moça me explicou que tanto faz dizer torradeira ou tostadeira. Ela entende os dois nomes. É o mesmo produto, mas infelizmente está em falta.

Publicado por

Marcão

Jornalista aposentado, casado, duas filhas, um neto, dois poodles e nove irmãos. Santista de mãe, pai, cidade, time e o que mais bem qualifique essa condição. Sem vaidade, só verdade!

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